quinta-feira, setembro 20, 2007

Babel Brasília

oooO Pentateuco, que do grego significa os cinco rolos, constituí os cinco primeiros livros da bíblia cristã, cuja autoria é atribuída ao profeta israelita Moisés. O primeiro deles, Gênesis, tem por significado – origem, nascimento – dado pela Septuaginta. Nome da tradução da Torá (escrituras hebraicas) para o grego, do século III a.C., a pedido do rei do Egito Ptolomeu II (287-247 a.C.) para a Biblioteca de Alexandria, logo após sua recém inauguração, na cidade egípcia que lhe emprestara o nome. Já para o hebraico é Bereshit – no princípio, no início – que, por tradição ocidental, é também chamado de Gênesis. Trata-se, basicamente, do mesmo texto, porém com algumas diferenças no tocante à interpretações religiosas pelas diversas religiões que o aceitam.
oooAcredita-se que a abordagem do livro está relacionada a tudo que ocorreu antes do nascimento de Moisés. A narrativa, de visão judaica, descreve os fatos ocorridos desde a criação do mundo até a fixação dos hebreus [antigo povo que dera origem aos judeus], no Egito. Na bíblica do Antigo Testamento, o capítulo Gênesis apresenta:

“Toda terra era uma única língua e palavras únicas. Vindo do Oriente em seu peregrinar, encontraram uma planície na terra de Sinear (na região de Babilônia), onde se estabeleceram. E disseram cada um ao companheiro: – Vem! Fabriquemos tijolos e vamos cozê-los ao fogo. E ficaram com tijolo em vez de pedra e betume em vez de argamassa. Em seguida disseram: – Vamos edificar para nós uma cidade e uma torre, cuja cabeça penetre nos céus. E façamos para nós um nome para que não sejamos dispersos sobre a face de toda a terra.”

oooOrigina-se daí a Torre de Babel, construída pelas mãos dos descendentes de Noé. Pelos – filhos da humanidade – que faziam uso da mesma linguagem. O forte objetivo era chegar até Deus. E daí constroem a cidade e sua torre. Essa obstinada decisão – soberba – de fazer uma torre tão alta que pudesse alcançar o céu provoca em Deus algo que não contavam – sua ira. E Dele vem o castigo – confundir as línguas e espalha-los por toda a Terra.
oooEntende-se hoje que este “mito” ou esta “história” aponta para a tentativa dos povos antigos de explicarem os diversos idiomas, mesmo sabendo que existem, no sul da região da antiga Mesopotâmia, ruínas de torres que se ajustam perfeitamente à descrição da Torre de Babel qual registra a Bíblia.
oooHouve um dia em que o homem fez uma torre. Deus não gostou e confundiu a língua dos homens. Virou Babel, alguém disse. E, no Brasil, houve um dia que Brasília virou Babel.
oooVivemos um momento onde os políticos não fazem outra coisa a não ser CPI ou CPMI.
oooOcupados em tempo integral do reduzido tempo efetivo de trabalho para o cargo ocupado.
oooOcupados em defesas e acusações! Será essa a atribuição de deputados, senadores, governadores, ministros, secretários, procurador-gerais de justiça e de estado entre outros!
oooO deputado federal é o representante do povo, na integração da sociedade; os senadores têm funções legislativas, julgadoras, fiscalizadoras, são representantes constitucionais dos estados; dentre as atribuições do governador de estado temos a de sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; quanto às atribuições do presidente da república pode-se destacar a de exercer, com o auxílio dos ministros de estado, a direção superior da administração federal.
oooTudo isso – sempre – para a nação, para o povo.
oooNão estão cuidando disso, e sim de: um acusar o outro, o outro acusar o um, um se defende do outro, o outro se defende do um.
oooE, já que não estão cumprindo com o que as funções determinam, acho que deveriam ir para casa. O país assim economizaria a “fábula de dinheiro” que é gasta com eles.


oooHouve um dia que Brasília virou Babel ou Brasília é Babel – nossa Babel Brasília.

oooSe na Torre de Babel o castigo dado por Deus foi a mistura das línguas, desta vez já não cabe o mesmo castigo pois, já não falam a mesma língua. Esperamos ansiosos pelo providencial castigo, mas não fazemos nenhuma questão que deixem a exemplo da Torre, vestígios.

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Mauro Carreiro Nolasco
AGOSTO 2007

A arte em seu fim

oooSerá “O fim da arte” o fim das “obras de artes”? – o fim de: pinturas, gravuras, esculturas, da música, da literatura?
oooHistoriadores da arte defendem a idéia de que a evolução da arte está ligada a sucessivas e contínuas transformações – naturais, formais e até não formais – responsáveis por sua história, desde as manifestações rupestres.
oooNos últimos quarenta anos, pelo menos, a arte escreve sua história com independência, com sua própria maneira de ser, seu caráter – livre e sempre reflexiva. O que pode ser entendido como uma nova relação entre “arte” e “mundo”, o que não implica ser seu limite final.
oooA arte sempre provocou forte dedicação dos filósofos em 'tentativas' de “entendê-la” ou “explicá-la”. O conceito de arte para Platão (427-348 a.C.) era a da obra executada segundo o modelo presente na mente do seu executor, o artista. Uma mera imitação.
oooO sucessor de Platão, Aristóteles (284-322 a.C.) em suas reflexões faz distinção entre – a ação e o fazer da arte. A ação está relacionada com quem produz arte, enquanto que a arte é o resultado dessa ação. Um fazer.
oooO neo-platônico Plotino (205-270) reformula Platão e defende que a arte não apenas imita o que o artista vê, e sim que ela aponta para as razões de origem do objeto natural. Um olhar para as idéias universais que transcendem a natureza.
oooA filosofia do período medieval retoma Platão, Aristóteles e Plotino. Um 'fazer coisas', orientado por um modelo, em nova visão. Esse 'fazer coisas' é acrescido de algo místico, que faz dessa arte medieval, denominada de Gótico, um fazer a partir da vontade do artista. O artista passou a mostrar o que pensava e o que sentia. A partir daí a arte passou, cada vez mais, a ser observada e entendida pelo que é intencional e, cada vez menos, como um fazer coisas. Até esse ponto da história da arte, a arte que era entendida por – fazer unicamente coisas e fazer coisas que revelam temas – passa a ser somente o – fazer coisas que revelam temas.
oooE entramos numa nova discussão: o belo e a arte.
oooO “pai da filosofia moderna” René Descartes (1596-1648) dedicou-se a direcionar o estudo da filosofia para uma nova direção, numa recusa aos pensamentos dominantes da época, o que provocou uma revolução no estudo da filosofia. O francês, filho de nobres, Descartes, tentou direcionar o estudo da filosofia para uma nova direção, recusando-se a aceitar os pensamentos que predominavam na época [filosofia denominada pelo método escolástico que se baseava em: comparar e contrastar visões reconhecidas pela Igreja]. Só acreditava no que conseguia provar sua verdade. Para se chegar à verdade era necessário partir do zero [até mesmo sobre a própria existência]. Respostas baseadas não na fé, e sim na suspeita. Desse modo de ver conclui “Penso, logo existo” (no latim - Cogito, ergo sum).
oooE o que tem Descartes a ver com a arte?
oooSua influência no “alargamento” da filosofia repercutiu nos estudos das ciências, da matemática, física, fisiologia, da justiça, da teologia e ainda provocou bons resultados no pensamento europeu. Influenciou inúmeros filósofos posteriores a ele. Suas idéias filosóficas estiveram sempre presentes nos séculos 17 e 18. Filósofos como Baumgarten e Kant, que dedicaram também seus estudos a arte, utilizaram suas teorias e princípios.
oooPara o alemão Alexandre Baumgarten (1714-1762) afirmou: o belo é uma propriedade da sensibilidade perfeita, como a verdade o é do pensamento.
oooEssa reformulação levou então à arte uma nova responsabilidade: criar a beleza sensível. A partir dessa conjugação é que decorreu a Estética, do grego aísthesis (sensação) – temos então a filosofia da arte.
oooO grande filósofo da modernidade, Immanuel Kant (1724-1804) marcou um segundo momento na filosofia moderna, ainda que com forte influência dos que o antecederam, ele desenvolveu uma nova Estética. Sua filosofia moral afirma que a base para toda razão moral é a capacidade do homem de agir racionalmente. É crença para Kant que: toda pessoa deve comporta-se de forma igual a que ela espera que qualquer pessoa se comporte, para uma mesma situação. Descrevendo assim que esse comportamento passaria a tornar-se uma lei universal. O fazer coisas belas, como a arte, assume agora, novas direções, sobretudo, cresce no tocante à expressão. Para Kant o belo representa o arquétipo da espécie que retrata o seu próprio juízo.

oooContinuaremos nessa análise no próximo artigo.

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Mauro Carreiro Nolasco
JULHO 2007

quarta-feira, setembro 19, 2007

Das Sete Maravilhas

oooA polêmica se instalou em jornais, revistas e outros meios de comunicação, enfocando a pesquisa sobre a eleição do Cristo Redentor como uma das maravilhas do mundo moderno.
oooO projeto de construção é da engenharia brasileira, que teve, como partida, desenhos do pintor Carlos Oswaldo e participação popular, carioca, na escolha do Cristo – de braços abertos. A edificação levou cinco anos. Sua realização iniciou-se em 1926. A idéia da homenagem ao Cristo com uma estátua é de 1921, quando então se organizou a campanha “Semana do Monumento”, com a intenção de conseguir fundos para sua viabilização, direcionada principalmente aos católicos.
oooNa primavera de 1931, às 19 horas e 15 minutos do dia 12 de outubro, a estátua do Cristo Redentor foi inaugurada, a 709 metros de altitude, com suas 1.145 toneladas, medindo 30 metros, mais a base de 8 metros, onde há uma capela. Corpo e braços – obra da engenharia de Heitor da Silva Costa (1873-1945), cabeça e mãos – obra da escultura do francês Paul Landowski (1875-1961).
oooSe o Cristo Redentor fosse planejado hoje, sobre o mesmo Corcovado, certamente a instalação da bela escultura seria questionada pelos órgãos de preservação ambiental. O impacto na paisagem, o necessário desmatamento para criar o acesso e a linha férrea seriam certamente entraves para a criação desse produto turístico monumental.
oooSem dúvida, o Corcovado e o Bondinho do Pão de Açúcar são os agentes publicitários mais fortes do Rio de Janeiro e produzem marketing que alcança todo o mundo. São marcas da cidade.
oooIncluir o Cristo como conjunto natureza / arte, ou só a estátua como monumento não faria diferença no ranking mundial de maravilhas, mas o todo é que é digno de nota: o recorte do verde no azul do céu sobre o granito de forma caprichosa já é maravilhoso, aliás, como todo o relevo desta cidade – linda e violenta.
oooSó o monumento, fora da “Acrópolis” em que se aninha, já seria uma bela escultura art déco digna de um museu, fosse a céu aberto ou mesmo confinada em uma nobre sala, como as do Louvre ou do Museu Britânico. Nesse caso, seria mais uma obra de arte fantástica do início do século XX, juntamente a outras que jazem nesses museus “maravilhas” como o Parthenon, cujos frisos se encontram no Museu Britânico, ou da Vênus de Milo, hoje no Louvre, e as remanescentes estátuas gigantes do antigo Egito, hoje espalhadas por várias salas de exibição.
oooO harmonioso conjunto do Corcovado não poderia ser rotulado apenas como uma das sete maravilhas contemporâneas, mas a perfeita integração da natureza com a capacidade humana de transformar matéria bruta em algo emocionante e tão bem proporcionado, apesar da monumentalidade que nos tira o fôlego, pela harmonia do conjunto.
oooNesse conjunto, a obra ultrapassa o autor e quase ninguém se lembra ou sabe quem a executou ou ainda a irmandade entre França e Brasil ali estabelecida, o país que já tinha sido aqui invasor, no século XVI, mas que, quase quatrocentos anos depois, coloca no ápice da cidade, através dessa obra de arte, a grandiosidade da criação divina e o fervor religioso que sempre caracterizou o povo brasileiro.
oooArte, política e religião estão expressas maravilhosamente e irmanadas no Cristo Redentor e no espírito globalizado da cultura e da beleza.
oooSete: sempre este número.
oooPor que não juntar sete mais sete a outras maravilhas menos nomeadas e aproveitar para rotular o planeta terra como uma das maravilhas do universo? E tentar preservá-lo!




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Mauro Carreiro Nolasco
JUNHO 2007

Maria Domícia

oooLamentei a morte de uma mulher que sequer conheci, mas que me despertou curiosidade, pelas histórias contadas por um amigo a seu respeito. Por uma dessas que só o destino pode 'aprontar', fui eu a dar a noticia de seu falecimento a esse amigo – João Carlos de Figueiredo. Ele, sempre de olhar atento às coisas de São Gonçalo, da arte e da cultura, declara – não li nenhuma nota nos jornais de Niterói e de São Gonçalo.
oooJoão Carlos, admirador de Maria Domícia dos Santos e de sua voz, lembra-se das apresentações, nas missas do Externato Santa Terezinha do Menino Jesus, sempre repletas de pessoas, e nos casamentos na Igreja Matriz de São Gonçalo.
oooA formação de Domicia teve início na Escola Nacional de Música, que passou a se chamar Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 1965, e culminou em Niterói, com a professora Maria Elizabeth Esberad.
oooApós alguns segundos de saudosas lembranças João Carlos me diz: – Voz é um dom e uma dádiva, e, aparecem de vez em quando excelentes, mas o seu apuro, desenvolvimento, conhecimento da arte que tem pela frente, dependem da interação aluno-professor. Senão pode-se chegar a resultados desastrosos: vozes belíssimas são desperdiçadas e mal conduzidas, não chegando a lugar nenhum e perdendo toda sua espontaneidade com os absurdos, como – coloca a voz aqui, respira aqui, até chegar a lugar nenhum, perdendo a naturalidade de sua emissão, respiração etc..
oooA voz privilegiada de Domícia tinha tudo para torná-la uma destacada cantora lírica – opinião de algumas pessoas que a conheceram e que assim atestam. Sua voz era capaz de 'percorrer' do soprano ao contralto – era uma Mezzo-soprano virtuosa. Cantora lírica sem nada a dever à francesa Lily Pons (1898-1976), Soprano leggero – o timbre feminino mais leve dos sopranos; ou à norte-americana Maran Anderson (1897-1993), também da raça negra, como Domícia, Contralto – o timbre feminino mais pesado, robusto e vigoroso; ou da mais conhecida entre os brasileiros não iniciados na música lírica, a também norte-americana, Maria Callas (1923-1977) – uma das mais importantes Soprano, com sua voz poderosa pela beleza do timbre, de amplitude incomum, e que, pelo perfeito domínio das técnicas do canto, percorria desde o mezzo-soprano até o soprano coloratura.
oooEm minha curiosidade, “catuco” a memória de João Carlos por mais histórias, que me conta: – Ouvir Domícia era guardar a marca de uma grande voz. Tive oportunidade de ouvi-la, em muitos dos seus melhores momentos. E a lembrança me vem da casa do amigo Arísio, quando nos reuníamos para ouvir música e, Domícia ali desfilava árias, canções populares internacionais e até imitava Louis Armstrong...
oooE ele conta mais sobre o recital de Domícia pela criação da Associação Artística de São Gonçalo, num galpão do Colégio São Gonçalo; a interpretação em Esperanto; a participação na “Barca da Cultura”, organizada por Paschoal Carlos Magno. E ainda recorda ter levado uma gravação caseira, feita por ele próprio, ao Flávio Cavalcanti, que após ouvir comenta: – Yma Sumac, cantando em português... como é possível – e reage sem entender como essa cantora peruana poderia interpretar tão bem “Pergunte aos Canaviais” de Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba. Esclarecida a 'brincadeira', Flávio Cavalcanti quer conhecer Maria Domícia, o que acontece alguns dias depois, em seu apartamento. E ela canta ao vivo para ele que, após ouvir atentamente comenta: – Há uma razão para essa voz, pois seu nome carrega o som de três notas – o do o mi e o si – Do-mi-ci-a.
oooA carreira de um artista aqui no Brasil nunca foi fácil e ainda mais para uma negra no canto lírico. No caso de Maria Domícia, apesar de não seguir uma carreira de brilho, para a qual valor não lhe faltava, conseguiu unanimidade de conceito. João Carlos diz: – ela é, para São Gonçalo um vulto que merece ser cultuado e reverenciado.
oooA Academia Gonçalense de Letras e Artes já a integrou no quadro de membros acadêmicos, mas homenagens lhe faltam ainda, pois sempre permaneceu com suas raízes e com sua arte.
oooApós essa conversa com o amigo João Carlos, acho que descobri o porquê de meu interesse por essa mulher: é que na minha infância, em minha casa, não perdíamos o Programa Flávio Cavalcanti – minha memória não me traz a lembrança dela mas o registro é que, segundo os estudiosos, não se perde.
oooMaria Callas disse uma vez – "Se você ama a música, a ponto de servi-la humildemente, o sucesso acontecerá automaticamente.”. Pena que não ocorreu aqui com a nossa Maria – Maria Domícia.

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Mauro Carreiro Nolasco
MAIO 2007

domingo, maio 13, 2007

Abaixo as armas! desde muito tempo

oooParte do território europeu fazia parte do Império Austro-Húngaro, composto da Áustria e da Hungria, numa monarquia dual, estabelecida em 1867. Suas diversificadas regiões eram marcadas por aspectos e características próprias de seus habitantes. Essas regiões estiveram em disputa desde o século I d.C. e, durante oitocentos anos, de aproximadamente 1004 a 1803, o Sacro Império Romano Germânico abrigou diversos principados. No ano de 1882, em 20 de maio, o Império Austro-Húngaro integrou o acordo militar denominado “Tríplice Aliança” – em alemão Dreibund e em italiano Triplice Alleanza – juntamente com a Alemanha e a Itália, a partir da qual cada região garantiria apoio às demais em caso de ataque.
oooNo Império Austro-Húngaro existia, bem no coração da Europa, às margens do Rio Moldava – em alemão Moldau e em checo Vltava – de nome Praga – uma encantadora cidade com pontes, catedrais, torres douradas, cúpulas de igrejas, conventos, capelas e santuários – monumentos religiosos de peregrinação católica e também monumentos judaicos e ortodoxos: “a cidade dos cem pináculos”, “a cidade dourada”. Nessa român-tica cidade, na primavera de 1843, nasceu, num palácio, no dia 9 de junho, a menina Bertha Felicie Sophie Gräfin Kinsky von Chinitz und Tettau, com o título de Condessa Kinsky von Chinitz und Tettau, filha de um Marechal de Campo e Conde, que morrera pouco antes de seu nascimento. Ela passou a infância em companhia de sua mãe Sophie, de origem burguesa, em Brunn, na Baviera, que atualmente tem por capital Munique.
oooNum período de cerca de dezessete anos, de 1856 a 1873, viveu em diversos lugares: Viena, em Klosterneuburg, arredores da capital austríaca; Wiesbaden, hoje capital da segunda maior cidade da Alemanha; Paris; Baden-Baden, hoje também cidade alemã; e Veneza.
oooApesar de ter nascido condessa, a alta sociedade nunca a aceitou. Por não admitir vender-se a um homem rico. Madura e segura de sua vida, aos trinta anos, ainda solteira, em Viena, torna-se dama de companhia e responsável pela instrução dos filhos do Barão von Suttner – quatro filhas e um filho, Arthur von Suttner, pelo qual se apaixonou e, por conta dessa paixão, foi obrigada a deixar a casa, em 1875.
oooVoltando à França, atende a um anúncio de jornal em que Alfred Nobel buscava uma secretária. Candidata-se ao cargo e inicia uma amizade que transcende ao emprego e dura mais de vinte anos. Neste tempo, ela convence o inventor da dinamite a fazer legado à paz, que ele atende criando o fundo que deu origem ao Prêmio Nobel da Paz. Mas Bertha von Suttner só seria agraciada anos após a morte do benfeitor, em 1905, sendo a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel da Paz.
oooEm menos de um ano, retorna à Áustria para rever seu apaixonado Arthur e, em 12 de junho de 1876, numa bela primavera, casam-se em segredo, em Viena. Com o segredo rompido, sofreram pressões da família do barão, e decidiram partir para o Cáucaso, onde permaneceram por quase uma década. Nesse período, Bertha ministrou aulas de música e escreveu seus primeiros livros. A novela de título "Inventário de uma Alma", teve por suporte autores evolucionistas como, por exemplo, Charles Darwin, e a narrativa sustentava o conceito social de paz.
oooRetornam definitivamente a Viena em 1885, com o aceite da família de seu marido. Foi, a partir daí, que ela escreveu a maioria de seus livros, uma férvida dedicação à literatura. Publicou, no ano de 1889, "A idade das máquinas", obra oculta pelo anonimato que foi fervorosamente criticada pelo conteúdo de nacionalismo exagerado e de excessivas citações acerca de armamentos. Em seguida, e desta vez não ficara oculta, lançou um livro que foi sucesso e traduzido para diversos idiomas – "Abaixo as armas!" (Die Waffen nieder!) – um romance que lhe garantiu fama e popularidade junto aos movimentos pacifistas. Bertha decide, em 1891, participar da estruturação do primeiro Congresso Internacional de Paz, realizado em Viena, e ainda fundou a Sociedade Austríaca dos Amigos da Paz, sendo vice-presidente do Escritório Internacional da Paz, quando da realização do III Congresso Mundial da Paz, em Roma. Fundou, no ano seguinte, o jornal, dedicado à paz, de nome “Abaixo as Armas!”, que circulou até 1899, sendo substituído pelo “Die Friedenswarte” (O lugar da paz), que Bertha prestigiou até sua morte. Participou do Congresso Internacional de Haia, em 1907, onde Rui Barbosa foi cognominado “Águia de Haya”.

oooDentre as estações do ano, a primavera é associada ao renascimento da flora e da fauna terrestres. Numa primavera floresce uma mulher de fibra e determinação, e é, também, numa primavera, a de 1914, que a Áustria tem seu solo “fertilizado” pelas cinzas de Bertha von Suttner, jogadas ao vento. Morre uma mulher que se tornaria ícone da luta pela paz no mundo inteiro e que, mesmo tendo se dedicado à paz, foi criticada – grandezas não estão isentas de injúrias.
oooA oportunidade de conhecer mais sobre ela e sua trajetória está na exposição “Bertha von Suttner – uma vida dedicada à paz” que o Consulado Geral da Áustria no Rio de Janeiro e o Parthenon Centro de Arte e Cultura, promovem. A exposição pode ser vista na Galeria do Parthenon, em 16 painéis, nos quais alguns momentos importantes e a cronologia de Bertha von Suttner são repassados. Torna-se importantíssimo no momento em que vivemos conhecer o exemplo de um clamor que é nosso também: a luta pela paz e o “abaixo as armas!”.
oooO Parthenon fica na rua General Andrade Neves 40, no Centro de Niterói.

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Mauro Carreiro Nolasco
ABRIL 2007

Salvador não tem carnaval

oooSão incertas as origens do Carnaval. Para estudiosos é um período de festas com raiz nos festejos de Roma e nas, também ponto de partida dessa festa, bacanais – festividade em homenagem a Baco, o Deus do Vinho, filho de Zeus, o deus do Olimpo e da mortal Sêmele. Há ainda quem atribua seu início à deusa Ísis ou ao deus Osíris, no Antigo Egito.
oooDefende-se que a origem dessa festa na Antiguidade fora recuperada pelo Cristianismo, com a criação do calendário cristão. Com sua adoção, a celebração começa no Dia de Reis, 6 de janeiro, dia em que o recém-nascido Jesus Cristo recebeu a visita dos Reis Magos: final dos festejos natalinos – fim de uma festa, início de outra. Esta se estende até o primeiro dia da Quaresma, a “quarta-feira de cinzas”, dia para a reflexão de conversão. Data símbolo da fragilidade e humildade das pessoas – viemos do pó e a ele retornaremos – além da sua necessidade de Deus.
oooO primeiro dia da Quaresma ocorre um dia após a denominada Terça-feira Gorda, último dia dos festejos de Carnaval. A Igreja Católica, por muito tempo, tolerou apenas alguns cultos pagãos, reformulando seu ponto de vista sobre as demais festas, após considerá-las “manifestações folclóricas”. A Quaresma 'era' o início de jejum de carne por quarenta dias – uma preparação para a maior de todas as festas cristãs a Páscoa. Com o tempo surge a expressão latina “carnem levare”, que quer dizer “adeus à carne” ou “carne nada vale” simbolizando essa terça-feira.
oooExistem muitas defesas para a origem da palavra Carnaval. Sua origem etimológica, para alguns, vem do latim “carrum novalis”, cujo significado é “carro naval” – carros alegóricos em forma de barco usados na abertura dos festejos romanos. Defende-se ainda que vem de “carnem levare” que virou “carne vale”. Contudo, é certo que a celebração do Carnaval existe há muito tempo e até hoje, em vários lugares do mundo, cada um tem características e cerimoniais próprios.
oooEm finais do século 18, cerca de 1723, foi introduzido no Brasil por imigrantes portugueses, como uma festa de rua. Chamado inicialmente de “entrudo”, sua etimologia é latina, “introitus”, e significa – introdução, entrada, começo – termo perfeitamente correto, pois demarcava, como já vimos, o início da festa da Quaresma. É praticado de maneira particular em inúmeros pontos do país, envolvendo diversos grupos sociais. Até meados do século 19, o Carnaval era festejado pelos escravos que arremessavam, uns nos outros, farinha de trigo, restos de comida, ovos, frutas estragadas ou água, muitas vezes nada limpa. Realizou-se em 1840 o primeiro baile de carnaval com máscaras – utilizadas nas festas francesas e nos bailes de Veneza.
oooCom o tempo, no Brasil, o Carnaval associou-se ao samba, que parece ter surgido em 1910 a partir de uma união de cariocas com suas composições coletivas. Registra a história, de forma controvertida, que no ano de 1916 nasceu o primeiro samba – “Pelo Telefone”, de Ernesto dos Santos, o Donga – que contou com participação de diversos músicos do grupo, surgido em 1910. O primeiro samba gravado – um marco da música de carnaval.
oooO carnaval passou a contar ainda com inúmeros blocos de rua. Em 1919 surgiu o “Bloco Eu Sozinho”, composto obviamente por apenas uma pessoa que morreu em 1979 sem deixar sucessor. Já o desfile das Escolas de Samba iniciou-se, no Rio de Janeiro, no ano de 1932, na extinta Praça Onze.
oooDepois que vi, na festa desse ano, um “cantor”, em seu trio elétrico, animando a moçada em Salvador, cantando “Imagine” do ex-Beatle John Lennon, só me resta falar da festa baiana: – Salvador pode ter tido entrudo, mas não tem “carnaval”. Pode-se ver na Europa, ainda hoje, festas folclóricas comemoradas há séculos nas mesmas bases, com muita empolgação e interesse popular.
oooHoje o Carnaval é uma festa comercial que atende ao turismo, mas também pode ser o maior símbolo de cidadania e de igualdade. Todos, independentemente de classe social, estão unidos nesse “narcisismo” coletivo. O “torcer” por uma escola de samba também é salutar no exercício da cidadania, da consciência dos atributos que compõem a favorita e a identificam com anseios de quem elege.
oooO Carnaval é ainda um breve instante de uma semana em que se respira liberdade antes do começo do Ano Novo!
oooAgora, vamos trabalhar, contudo nunca se esqueça:

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Mauro Carreiro Nolasco
MARÇO 2007

Um filé diferente

oooGrata felicidade, recebi uma mensagem de um amigo do tempo que trabalhávamos com engenharia no Rio de Janeiro. Ele me descobrira por essa coluna no jornal. Marcamos um almoço – com uma condição por ele imposta – que fosse um almoço como os inúmeros, memoráveis e inesquecíveis de que nossa turma participava, nos áureos tempos de engenheiro.
oooLevei-o a um tradicional restaurante como os que freqüentávamos, só que em Niterói. Há muito tempo eu não ia lá. Estava 'meio' diferente, não possuía mais os dois poderosos ventiladores à porta, substituídos agora pelo ar-condicionado. Cheguei a pensar que não reviveríamos aqueles saudosos almoços. Num passar rápido de olhos concluí que, nem tudo estava diferente seria um almoço de recordação.
oooDepois de sentarmos, eu falei a meu amigo: – Vou te contar uma história, muito interessante, acontecida aqui neste restaurante, que me levou a escrever um conto.

oooEra uma quarta-feira, o dia estava muito agradável, nada comum para aquela época do ano, de calor excessivo, a incomodar o dia inteiro e a noite inteira. Eu era quem não estava nada bem. Um mal-estar tão 'bravo'. Eu não podia curtir aquele belo dia. Passei, praticamente, a manhã toda sem produzir. Chegou a hora do almoço, estava com fome, mas o maldito mal-estar me deixava sem saber o que fazer. Contudo, como estava com muita fome, decidi sair para ver se, na rua, olhando restaurantes e lanchonetes, decidia o que comer, e onde comer. A dúvida incomodava, mas consegui encontrar uma solução para minha fome. Avistei o Monteiro um tradicional restaurante da cidade.

oooEste em que estamos, o mais antigo de Niterói, desde 1929. E... voltando à história.

oooComo nestas situações, de mal-estar, sei que como melhor se o 'prato' for carne, decidi o que comer – um filé... isto... um filé simples, ao ponto e aparado. Diriji-me ao restaurante, escolhi uma mesa, o garçom se aproximou e me entregou o cardápio. Na seção de carnes encontro meu filé, então surge uma questão... – comer só um filé?... – melhor com um acompanhamento! Nos acompanhamentos, encontro vários; uns que não gosto e outros que sei que no estado em que me encontrava não apreciaria. Ah! Encontrei: ovos fritos. Isso, vou pedir dois ovos fritos.
oooGarçom por favor. Vou querer um filé simples, ao ponto e aparado. E antes que completasse o pedido o garçom pergunta: – Pra acompanhar? Vou querer dois ovos fritos. – Então o senhor vai querer um filé a cavalo? Não! Eu quero um filé simples, ao ponto e aparado, acompanhado de dois ovos fritos. – Então 'chefe' um filé a cavalo. Eu já falei que não, eu não quero filé a cavalo. – E a bebida? Traga-me uma coca-cola, por favor. O garçom delicadamente pede licença e se retira recolhendo o cardápio.
oooEle trás o refrigerante, pergunta se desejo limão e gelo. Eu agradeço. Mais uma vez ele pede licença e se retira. Após uns minutos, vem o garçom com a comida. É costume da casa trazer prato principal e acompanhamento em travessas separadas, e, à mesa, 'fazer' o prato do freguês. Primeiro, ele coloca em meu prato o filé, depois, com habilidade, pega com duas colheres, os ovos. Dirigindo-os ao prato ele pára e, antes que ficasse mais embaraçado, eu lhe digo: coloque-os sobre o filé. Ele hesita, mas sem qualquer questionamento, deita os ovos sobre o filé e se retira; desta vez sem pedir licença.
oooSaboreio a comida que não só 'mata' a minha fome como melhora meu mal-estar. Chamo o garçom: Por favor, a conta. Ele deixa a conta sobre a mesa e se retira. Eu o chamo outra vez e digo: – A conta está errada. Após uma consulta ele fala: – Está certo 'chefe', um filé a cavalo e um refrigerante. Não venha você outra vez com este 'filé a cavalo', eu sempre deixei claro que queria – um filé simples, ao ponto e aparado acompanhado de dois ovos fritos. E ele ainda insiste, com certo cuidado questiona: – Não é a mesma coisa 'chefe'? Pego o cardápio e começo a mostrar: – um filé simples custa R$8,00, os dois ovos fritos R$2,00, o que totaliza R$10,00 e não os R$12,50 do filé a cavalo. O garçom, boquiaberto diz: – Nunca ninguém viu isso! e levou a conta para trocar.
oooEu só descobri porque estava num grande mal-estar e, 'desorientadamente' procurando o que comer, acabei por encontrar essa falha no cardápio. Dias depois, voltando ao restaurante, recordei-me deste fato e encontrei a diferença corrigida – pra maior é claro!

oooA propósito, sabes de onde vem o termo “bife a cavalo”... vou também lhe contar. A publicação britânica especializada no assunto The Oxford Companion to Food relata que a palavra “bife” é anglo-normanda, no inglês, beefsteak. Para nós brasileiros esse prato de nossa culinária é apreciado em todo o país. A origem está em Estremadura, região ao centro-leste de Portugal. É deste local que vem dois pratos muito saboreados por nós: o “bife com ovos a cavalo” e o “bife de cebola”, que para nós virou – “bife a cavalo” e “bife acebolado”. Alguns podem achar que o brasileiro foi infeliz ao abreviar, pois “bife com ovo a cavalo” (significa dizer: ovo 'montado' sobre o bife) simboliza melhor que “bife a cavalo” – que pode ser entendido como um bife que se comporta como um cavalo a conduzir 'em montaria' o ovo. Se o bife é inglês e o bife acompanhado de ovo é português, só interessa a ingleses e portugueses. Mas o “bife a cavalo” ou “bife à cavalo”, com crase, exatamente como encontramos nos cardápios de diversos restaurantes, é nosso!
oooChamei o garçom para fazer nosso pedido: queremos, cada um de nós – um filé simples, ao ponto, aparado, e acompanhado de dois ovos fritos. E imediatamente o garçom disse – dois filés a cavalo? ... Hesitei e então respondi: está bem, faça o melhor.
oooFoi por conta de um dos meus artigos que revi um grande amigo. Almoçamos e resgatamos lembranças e recordações. E faço desse momento, que não posso deixar de registrar, argumento dessa minha matéria a qual também dou o nome que dei ao conto – Um filé diferente.

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Mauro Carreiro Nolasco
FEVEREIRO 2007

sexta-feira, maio 11, 2007

Um soldado na arte litúrgica

oooEstava outro dia sentado à mesa de trabalho com a intenção de escrever um artigo para o jornal. Procurava, já irritado, por umas anotações que eu tinha absoluta certeza ter arquivado em meu computador, contudo, não as encontrava.
oooFoi quando alguém, percebendo minha inquietação, perguntou: – Por que estás assim? Imediatamente após minha resposta a solução foi-me apresentada de forma simples e de fácil execução: – Faça um pedido a São Longuinho, é fácil: “São Longuinho, São Longuinho, se eu achar o que estou procurando, eu dou três pulinhos!”, é só fazer seu pedido que ele logo-logo agirá e você encontrará o que procura. E não esqueça de cumprir sua parte.
oooAntes que eu falasse qualquer coisa, a pessoa se retirou e me deixou com essa incumbência, ou melhor, com a “solução” para o meu problema. Fui, então, procurar saber sobre o santo e sua fama milagrosa.
oooConta a história que Longuinho (Longinus) foi centurião, sujeito responsável por comandar uma centúria – formação composta de dez fileiras com dez homens cada – cem soldados. Um conjunto de centúrias formava uma legião: estrutura militar utilizada pelos romanos da era cristã. O centurião mesmo possuindo posto de destaque em seu grupo, lutava em igualdade, como os seus comandados. Conta também a história que este homem, quando soldado, participou da crucificação de Jesus.
oooA crucificação era uma prática de execução imposta pelos romanos a escravos. Num ato cruel de “passar-vergonha e tortura”, submetia-se o condenado a um castigo que se seguia ao ritual: despido, sofria a flagelação e, depois, era fixado a uma coluna de madeira por pregos, algumas vezes era apenas amarrado, e, por fim, açoitado. Era o criminoso quem transportava sua 'cruz' ao local da execução e, por vezes, morria pelo açoite.

oooAto semelhante aconteceu com Jesus. Ao final de sua crucificação o centurião Longuinho, cumprindo ordens, perfurou-o com uma lança, para certificar-se de sua morte e o líquido que saiu do ferimento atingiu um de seus olhos, curando-o de uma doença grave nesse olho. O fato levou o centurião a abandonar o exército e a transformar-se num monge. Por causa de sua fé cristã, foi perseguido, preso e torturado – dentes arrancados e língua decepada - e, por não renunciar a sua fé em Cristo, foi decapitado - morreu como mártir.
oooA “Arte Litúrgica” representa esse santo de duas maneiras: “um soldado com uma lança apontada para os olhos” ou “um soldado com os braços abertos segurando uma lança”. A lança desse centurião romano está hoje em Viena, na Áustria.
oooAtualmente é também representado como um eremita, com sua lanterna à mão, à altura dos olhos, e um cajado, ou lança, na outra mão. A invocação a esse santo, na busca de objetos perdidos, é acompanhada com o hábito popular de se dar três pulinhos após encontrar o objeto perdido – um ato de fé e também místico – que teve início no leste da Europa, cuja festa é comemorada todo dia 16 de outubro. Entretanto, no Brasil e na Espanha, isso ocorre no dia 15 de março.

oooEssa curiosidade sobre São Longuinho acabou virando uma história. Com isso vou ter tempo para investigar o que procurava ou ter a ajuda desse Santo, de grande devoção popular brasileira, para concluir meu próximo artigo..., o que está perdido.
oooCom ele, começamos um novo ano, um ano para não perder tempo. Um ano de ‘procura’ por novas realizações. Um ano de paz, prosperidade, muito amor e esperanças renovadas. Um ano como não deve deixar de ser: com Arte.

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Mauro Carreiro Nolasco
JANEIRO 2007

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Pecados Capitais

oooPecado – transgressão de preceito religioso, erro, falta, culpa, vício, maldade, crueldade...
oooOs pecados, caracterizam-se por “faltas graves” humanas, que a Igreja, na Idade Média, classificou e utilizou nos ensinamentos do cristianismo, objetivando 'educar' e 'proteger' os seguidores cristãos, para que pudessem compreender e controlar seus impulsos.
oooA classificação dos pecados dividiu-se em dois tipos – os pecados perdoáveis e os pecados não perdoáveis. Aos perdoáveis não há a necessidade do sacramento da confissão, já aos não-perdoáveis cabe a condenação.
oooAos pecados condenados são conferidas inúmeras interpretações. Atribui-se ao monge grego Evagrius Ponticus ou Euagrios Pontikos, que viveu de 345 a 399, a elaboração da primeira lista, relacionando oito “faltas” – “doenças espirituais” ou “males do corpo”. O teólogo tomou conhecimento destas faltas, ou doenças, pelo contato com monges no deserto egípcio. Classificou-as em ordem crescente de valor ou gravidade: gula, luxúria, avareza, melancolia, ira, acedia (preguiça espiritual), vaidade e orgulho.
oooO primeiro a usar o termo “pecado capital” foi o Papa Gregório I (590-604), no final do século VI, reduzindo a sete as transgressões. Baseado nas doutrinas do monge grego, ele fez a fusão de 'vaidade' e 'orgulho'; 'acedia' passou a 'melancolia'; acrescentou, por fim, a 'inveja'. E também criou a sua lista, em ordem decrescente de ofensas: orgulho, inveja, ira, melancolia, avareza, gula e luxúria.
oooUma lista mais atualizada é atribuída a São Tomás de Aquino (1227-1274). Em sua doutrina, o filósofo e teólogo medieval reflete sobre as experiências acumuladas do homem no transcorrer de séculos de existência. O fazer filosofar de Tomás de Aquino foi especialmente dirigido à experiência e ao fenômeno. Entretanto, seu estudo dos pecados não-perdoáveis é rígido e concreto. Sua lista é então assim composta: vaidade, avareza, inveja, ira, luxúria, gula e acídia.
oooHoje, a Igreja Católica os classifica por: soberba, avareza, inveja, ira, luxúria, gula, preguiça.

Soberba (do Latim soperbia) – arrogância; orgulho; presunção.
Avareza (avaritia) – apego excessivo ao dinheiro; mesquinhez; sovinice.
Inveja (invidia) – ciúme; cobiça, desejo de possuir aquilo que os outros possuem; misto de pena e de raiva; sentimento de desgosto pela prosperidade ou alegria de outrem.
Ira (ira) – cólera; desejo de vingança; indignação; raiva; zanga.
Luxúria (luxuria) – exuberância; lascívia; libertinagem; sensualidade.
Gula (gula) – avidez, gulodice; excesso na comida e bebida.
Preguiça (pigritia) – aversão ao trabalho; indolência; negligência; tendência viciosa para não trabalhar.



oooO pensamento medieval foi dominado pela idéia do pecado e pela fragilidade humana, numa clara concepção pessimista. Neste período e baseado nessas idéias é que o artista holandês Hyeronimus Bosch (Jeroen Anthoniszoon van Aken) (1450-1516) retratou em suas pinturas cenas de 'pecado' e 'tentação'. O recurso adotado foi pelo simbolismo de figuras complexas – originais ou imaginárias. Bosch registrou em sua obra “Mesa dos pecados capitais” ou “Os sete pecados mortais” – o homem pecador e a dificuldade da salvação.


A única maneira de se livrar de uma tentação é ceder.
Oscar Wilde

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Mauro Carreiro Nolasco
DEZEMBRO 2006

terça-feira, janeiro 16, 2007

Disponha de um tempo e leia

oooHá alguns dias, encontrei um ex-colega de trabalho na rua. Trocados cumprimentos, ele me perguntou: – Como vão as coisas. Respondi: – Como diz a música do Cazuza “Eu vou sobrevivendo sem um arranhão”. Ele então completou com a frase – título – da mesma música: – ...só que “O tempo não pára”. Um breve encontro. Depois, eu fiquei a questionar o 'tempo'.
oooAcho que não tenho tempo para listar os significados para essa palavra: duração, ciclo, era, fase, e, até mesmo sinônimo para 'passado'. Esse exame é grande, “demanda tempo”, ou seja, é preciso “dispor de tempo” para uma investigação mais profunda.
oooComo, “há algum tempo” ou “há quanto tempo!”, não tenho “tempo livre” ou “tempo a perder”, mesmo fazendo “gestão do tempo” que tenho, ou que “poupe meu tempo”, é difícil, verdadeiramente, “ganhar tempo”. Daí estar sempre às voltas com “falta de tempo”, em busca de “um novo tempo” ou de um “segundo tempo”. Alguém me ensina como se faz “previsão do tempo”, falam até de “distribuir o tempo”! – eu conheço 'distribuir as coisas a fazer' pelo “tempo real”, às vezes “irreal” e não posso “perder tempo”.
oooSem esquecer aquela máxima que “tempo é dinheiro” e ainda “o tempo não é propício”, “seu tempo terminou”, “nunca em tempo algum”, “ao mesmo tempo”, “em pouco tempo”, “em quanto tempo”, “a um 'tempão' que não te vejo”, “me dá um 'tempinho'”, “tem muito tempo”, “que tempo é esse de que nunca ouvi falar”, “tempo de vacas gordas”, “tempo de vacas magras”, “tempo bom” e “mau tempo”, “Tarzan no tempo da seca”, “marcas do tempo”, “sinal dos tempos” ou “final dos tempos”, “o nosso tempo”, “passou o tempo” ou “está fora do tempo”, “numa fração de tempo”, “um lapso de tempo” e outros mais.
ooo“Em tempo” e 'cercado' de “contratempos”, estou “sem tempo” pra ler “O tempo e o vento”. Acho que estamos precisando de uma “máquina do tempo”. Não posso deixar de falar que apesar de estarmos sempre a nos queixar da “falta de tempo”, estamos sempre a dizer: “você tem um tempo pra mim?”.
oooQual é o tempo que precisamos? A “luta” pela vida, o fazer diário, consomem nosso pouco, ou melhor, pouquíssimo tempo de existência. Não se deve desperdiçar esse precioso 'bem' com futilidades ou besteiras. Cabe aqui aquele lugar comum: pessoas inteligentes discutem idéias, pessoas medianas discutem fatos, já as medíocres discutem fofocas. Não ficar a “matar o tempo”, descobrir tarde demais que não é preciosismo: é preciosíssimo.
oooBem verdade que apesar do 'tumultuado' cotidiano há sempre um 'tempinho': para o lazer; para rever toda a família no cemitério porque algum parente 'partiu'; para ficar doente, cruzes! Difícil mesmo é “arrumar tempo” para meditar e discutir a vida – coisas tão simples. Mais verdade ainda é que para que possamos reservar “um tempo” para essas experiências, não podemos “perder tempo”.
oooOlhando um pouquinho atrás, na inocência de nossas infâncias, lembraremos que “o tempo passava mais devagar” – as férias escolares nunca chegavam, tais quais as datas em que ganhávamos presentes. Na adolescência achávamos que “tínhamos todo tempo do mundo”, mas, quanto tempo tem o mundo? Mais tarde descobrimos que “nem pra tudo temos todo o tempo do mundo”. Hoje, na idade adulta, com a conquista alcançada pela vivência e maturidade, estamos sempre a reclamar que não dá pra fazer todas as coisas de que necessitamos, porque o “tempo passa muito rápido” quando somos nós que passamos por Ele. O que importa é que devemos viver cada momento como se fosse o último. Muitos de nós atravessamos – o tempo da nossa vida – sem indagar da existência, passamos pela vida, simplesmente, sem saber por quê ou para quê. Será que o tempo começa ao nascermos e acaba ao morrermos? “Tempo de vida” e “tempo esgotado”. “Tempo histórico”: distinção entre passado, presente e futuro. Implacável “passagem do tempo”.
oooEm 1986, dez anos antes da morte de Renato Russo, que nasceu em 1960. Seu grupo de música Legião Urbana lançou o segundo álbum chamado “Dois”. Em uma das faixas “Tempo perdido”, com letra e música desse jovem autor, apresenta: Todos os dias quando acordo, / Não tenho mais o tempo que passou / Mas tenho muito tempo: / Temos todo o tempo do mundo. // Todos os dias antes de dormir, / Lembro e esqueço como foi o dia: / "Sempre em frente, / Não temos tempo a perder". /... / Temos nosso próprio tempo. /... / Nem foi tempo perdido; / Somos tão jovens ...
oooE, nesse mundo atual e corrido em que vivemos, lembrei-me agora de três coisas: a primeira, que “sou do tempo” que se pagava, ao banco, juros pela utilização do cheque especial, apenas – duas vezes por ano e que quase não doía – “tempos dourados”; a segunda, que meu tempo para entregar meu artigo ao jornal está acabando – “o tempo urge”; a terceira é que não vou “dar um tempo” aos que merecem o “meu precioso tempo”.
oooSobrevivendo sem um arranhão não é simplesmente sobreviver é Viver.
oooNão "sobrou tempo” para a obra-prima “Em busca do tempo perdido”, mas vou “caçar um tempo” para, oportunamente, falar dela e de seu autor, o francês Marcel Proust.

“O tempo é a insônia da eternidade”
Mario Quintana

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Mauro Carreiro Nolasco
NOVEMBRO 2006

A pré-história humana – parte 2

ooo“A pré-história humana” (PARTE 1), iniciamos uma volta no tempo. O surgimento do homem e suas transformações a caminho de como somos hoje. Questões cercadas de correntes com defesas diversas. Falamos dos rastros deixados pelos homens das cavernas.

oooEsse homem caminha, deixando seus rastros, por cerca de 1,5 milhão a 2 milhões de anos, quando surgem três novas espécies – um deles é o nosso ancestral. As condições de vida na Terra haviam mudado e esse foi um momento crítico na evolução da convivência entre espécies.
oooO clima da terra muda, as calotas polares se congelam e, em crescente desenvolvimento, represaram importantes quantidades de água. Com isso, a Terra começou a secar. Parte da África sofreu com o desaparecimento de suas florestas tropicais, dando lugar a uma nova vegetação, a savana. O alimento farto levou à existência de diferentes espécies de animais. Tal transformação, garantiu ainda a diversidade de primatas. Uma das espécies facilmente se adaptou ao alimento que havia em abundância e se beneficiou. Com peitos fortes, mandíbulas e dentes enormes, o que garantia a ele, mesmo na seca, modificar seus hábitos alimentares, era capaz de comer raízes duras condição não suportada a outras espécies. Quanto às outras duas espécies, de biótipo semelhante, viviam em constante competição pela sobrevivência – rivais na disputa pela comida.
oooO clima muda mais uma vez, o período de seca se finaliza e a história, a pré-história da evolução, segue seu rumo. Alguns hominídeos que acostumaram-se à abundância de alimentos, acomodados à condição em que viviam, com tal mudança, se desaparecem. Das outras duas espécies, uma delas, por estar igualmente despreparada, também foi extinta. Entretanto é o Homo habilis que melhor se adapta e continua evoluindo. Desenvolveu a inteligência e, por sua 'curiosidade', tornou-se inventivo, responsável pela primeira ferramenta – um machado de pedra. Sua inteligência, desenvolvida rapidamente, é atribuída a sua dieta rica em carne, cujas proteínas forneciam o que necessitava para garantir esse desenvolvimento: seu cérebro cresce.
oooO homem continua deixando evidências de sua vida cotidiana e, há cerca de 1,5 a 1 milhão de anos, quem está bem próximo do homem moderno é o Homo ergaster, que viveu no sul da África e tinha suas características físicas re-adaptadas para o clima, muito quente e seco. Seu cérebro cresceu sensivelmente em relação às outras espécies, o que representou um grande avanço, entretanto não atingindo ainda as dimensões do nosso cérebro, media apenas cerca de 2/3. Por ser agora o homem mais inteligente, passou a compreender o que estava a sua volta. Entre todos os animais, apenas o homem é capaz de olhar uma pegada, por exemplo, e entender o que é. O homem agora é capaz de 'deduzir' e 'tirar conclusão': nascia um 'modo de pensar'. Reformula o machado de pedra do Homo habilis, agora mais pesado e poderoso, com seus dois lados cortantes, permitindo incisões mais precisas resultado de 'visão e planejamento'. Sua inteligência evoluiu e não está associada apenas ao fato da produção de ferramentas e de observar o que o cerca, mas também ao 'entendimento' entre os seus. Ao constituir a comunicação pela emissão de sons, o homem começa a 'falar'. Este homem era nômade, sempre atrás de comida, não se fixando em lugar algum. Através da caça, da necessidade de reunir forças, formavam grupos para o abate de grades animais, diante da precisão, a inevitável fome. Desenvolveu o 'relacionamento' entre o grupo. Estava alinhavado os laços familiares e de amizade, a partir do gesto solidário e cooperativo, responsável pela união do grupo.
oooEstabeleceu-se a união monogâmica entre homem e mulher. O homem vive em grupo numa forma primitiva de sociedade, fundamental para sua evolução.
oooO Homo ergaster, com seu cérebro desenvolvido, alcança importante maturidade, atravessa a África em direção a outros continentes, numa caminhada de milhares de anos com novas conquistas evolutivas. Seguindo o rio, hoje chamado Nilo, atravessa o continente africano atingindo o que conhecemos por Oriente Médio. Nessa caminhada evolutiva, o grupo cresceu e, por conseguinte, a necessidade de comida aumentou, o que levou o homem a migrar para novas terras. Seguiu rumo à região da China de hoje e, nessa longa caminhada, de milhares de anos, o homem que continuou a evoluir passa a ser conhecido por Homo erectus. Esse homem, largando o machado de duas faces cortantes, passa a usar um outro tipo de ferramenta, o bambu. Eles o retiravam do bambuzal, local onde também caçavam pequenos animais, suficientes para sua subsistência. Com isso, a tecnologia não avançou. Com todo o tempo transcorrido há muito ainda que 'aprender'. O que foi mais importante para esse passo, ainda hoje não sabemos, nem quando e nem como ocorreu, mas é concreto que o homem 'descobre' e 'aprende a usar o fogo'.


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Mauro Carreiro Nolasco
OUTUBRO 2006

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Como viver junto

.....Setembro é mês de renovação, primavera chegando, vida que se refaz. É tempo também de comemorar um ano de “olho mágico”.
.....Há doze meses transmitimos nosso ponto de vista sobre os mais variados assuntos, compartilhando com o leitor alegrias, prazeres e surpresas vivenciadas no mundo da arte e da cultura. Somos hoje um pouco mais felizes e um pouco mais tristes nesta viagem de doze meses.
.....Filmes nos fizeram rir, sonhar e chorar, como Vinícius. E hoje, nesse início de setembro, trinta e sete anos após ser exonerado, pela ditadura militar, do cargo de diplomata, é homenageado ao reintegrar, simbolicamente, o Palácio do Itamaraty. Tributo póstumo ao poeta.
.....Mostras de arte nos deslumbraram como a “Por ti América”, no Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB e a Oreretama no Museu Histórico Nacional, cuja reforma é de nos dar orgulho. Algumas nos decepcionaram como a “Arte Erótica” no CCBB, uma “forçação de barra” que nos obriga a engolir novas visões da arte.
.....Maio foi tempo de concurso de contos no Parthenon Centro de Arte e Cultura, com o tema “Amizade” a que concorreram muitos escritores, novos contistas, provando que a emotividade se faz presente através da palavra.
.....Em incômodo desabafo falamos de Munch, o pintor norueguês que teve sua obra “O Grito” recuperada, agora em agosto, dois anos após seu roubo, em museu de Oslo, constatando-se, lamentavelmente, que a tela fora danificada.
.....Tristes ficamos com as guerras e a violência que continuaram neste ano que se vai. Mas as flores renasceram, as cores continuam presentes nos quadros dos artistas. O sons se multiplicam e as crianças ainda nascem, nos enchendo de esperanças. Nosso olho mágico – a tudo atento – reproduz e ressalta os fatos mais importantes nas artes e na cultura.
.....Começamos um novo ano de publicação, às vésperas de uma eleição, onde esperamos que tudo se renove e nada se copie.
.....Ano de Bienal de Arte em São Paulo, cujo tema “Como viver junto”, faz desta 27a edição – o espelho do que parece ser a maior dificuldade do ser humano. A mostra estará organizada em dois blocos: “Projetos construtivos” e “Programas para a vida”. A partir de 7 de outubro organizaremos visitas monitoradas a esse importante evento, aguardem novidades. Vivemos juntos um ano e viveremos outros mais. Obrigado ao leitor amigo, obrigado ao PortaVoz.

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Mauro Carreiro Nolasco
SETEMBRO 2006

sábado, agosto 26, 2006

A pré-história humana

.....O homem, na maioria das civilizações, tem seus conceitos fundamentados e compreendidos como um 'ser' imagem e semelhança a seu 'criador'. O Deus de nossa civilização, no qual cremos, ou não, é um Deus criador.
.....Para a maioria das correntes religiosas e para os teólogos, a vida tem por origem um evento sobrenatural, ou seja, além do que a química e a física são capazes de descrever. Na Bíblia, judaico-cristã, a descrição da criação do mundo é apresentada no Gênesis e não está de acordo com as observações experimentais já realizadas, isto é, não é aceita pela ciência.



.....A Bíblia abre sua discussão mostrando que o Gênesis não é um ato de criação qualquer, pois a forma como fomos criados, e todo universo, é importante. Esse 'especial ato de criação' destina a nós o Universo. A criação partiu da palavra, “no início era o verbo”, uma ferramenta abstrata, impregnada de vontades e poderes – poderes divinos. Deus apenas diz, pronunciando sua vontade, ordenando: “que a luz se faça” e, assim, Ele cria. Num dado momento, reformula Seu método de criar, abandona a criação verbal, abstrata, e passa a uma ação física e concreta – modela, a partir do 'barro', segundo sua imagem e semelhança, algo que, por Seu sopro divino, se transforma no homem.
.....Para nós, que vivemos no mundo atual, é aceitável a consciência de que se a esse Ser superior confere o poder da criação, nosso juízo é: como ficamos? como poderemos criar?, já que estamos diante de uma criação definitivamente poderosa. Deus nos fez a sua imagem e semelhança, e não se pode deixar de criar. A partir daí, está definida a 'condição humana', a ação de Deus, através de nós, seres humanos: “Eu sou o filho escolhido, um eleito que ouço Dele, vejo Dele, imagino Dele tudo o que crio".
.....Teriam os primeiros seres humanos essa consciência, pelo menos como a temos hoje? Se o ato de criar – ação ou mostra de poder – parte de Deus, a atividade de criar é uma 'dádiva' conferida ao homem. Atribui-se essa capacidade a um dom, um talento, que todos possuem. Criar, quer por uma vontade, quer por uma atitude ou busca é uma legítima aptidão humana. É por isso que os primeiros seres humanos, com a consciência que 'tinham', que mesmo podendo ser colocada em questão, demonstraram, também pelo barro, o registro de suas mãos gravadas em argila úmida na parede da caverna.

A evolução da imagem pelos ideogramas e pictogramas – rastros deixados pelo homem

.....O homem primitivo foi deixando ao longo do tempo pistas importantíssimas, o que nos permitiu descobrir e entender o passado. Pelos fósseis, por sua produção de utensílios e por suas pinturas no interior das cavernas, foi possível registrar a evolução humana. Fragmentos repletos de segredos de seu modo de vida que demonstram como se desenvolveu a capacidade de conviver com a natureza e dominá-la.
.....Esses registros começaram a 3,9 milhões de anos, na África e, de lá, originam os primatas dos quais descendemos, garante a ciência. Os antropólogos relatam que sua postura é bípede, característica que os tornou diferente dos primatas anteriores a eles: erguer o próprio corpo para andar apenas com suas pernas. Mas, era essa a única capacidade que possuíam, sua inteligência equiparava-se a de um primata animal. Provavelmente andavam em grupo, com muito ainda por aprender, sujeitos, como qualquer outro animal, às dificuldades de sobrevivência e, disso, a necessidade de mudança.
.....Obrigados a abandonar a floresta há cerca de oito milhões de anos, passaram a viver mais tempo no chão, condição importante para caracterizá-los como os primeiros a andar sobre duas pernas. Viver no chão foi de fundamental importância para o homem pré-histórico – acasalar-se, criar os filhos, relacionar-se aos demais homens. Desse relacionamento surgiram conflitos entre grupos.


Mauro Carreiro Nolasco
AGOSTO 2006

Vai acabar em pizza

A Roma de Júlio César (Gaius Julius Caeser), Brutus e Marco Antônio foi marcada pela frase – Tu quoque, Brutus, fili mi! [Até tu, Brutus, meu filho], imortalizada com as últimas palavras do grande líder militar e político romano Júlio César, em demonstração a ingratidão, em particular, desse seu único e adotivo filho, após ter seu coração inúmeras vezes apunhalado. Não em disputa por um pedaço de pizza.
Isso mesmo, a pizza ‘nasceu’ em Roma numa época anterior a Era Cristã, do poderio de Júlio César – a República Romana.
Até então comiam uma massa de farinha, proveniente do trigo, assada a forno forte, denominada “Pão de Abraão”, acrescida de sal, alho, e uma mistura de ervas, muito apreciada e conhecida por “Piscea”, com grande semelhança ao que hoje conhecemos e comemos – o “Pão Árabe”.
Se há seis mil anos os egípcios misturaram farinha a água, para alguns historiadores, aí se inicia a história da pizza. Outros atribuem aos gregos – a produção de uma massa pela mistura de: farinha de trigo, arroz ou grão-de-bico assada em tijolos quentes. O homem desbravador levou essa novidade à Itália, para uma região ao sul do rio Arno e ao norte do rio Tibre – a Península da Etrúria. Foi lá que se desenvolveu uma das mais originais culturas do Mundo Antigo, antes do florescer da Civilização Romana. Essa região aproxima-se hoje da junção da atual Toscana e partes do Lácio e Úmbria.
Voltando à pizza, três séculos a.C. os fenícios acrescentavam a então Piscea coberturas de carne e cebola. Essa forma de alimento foi adotada pelos turcos na Idade Média. Pelas cruzadas esse costume, mais uma vez, chegou à Itália, dessa vez pelo porto de Nápoles. Sofreu inúmeras mudanças: no inicio a massa fora acrescida de ervas da região e azeite de oliva – ingredientes típicos da pizza do dia-a-dia da época. Depois os italianos acrescentaram o tomate, levado à Europa, pelos navegadores e conquistadores espanhóis, que o trouxeram da América. O tomate se transforma em molho somente na primeira metade do século 19, dando à pizza a fama e popularidade que possui na Itália e no resto do mundo, como hoje degustamos.
O primeiro pizzaiolo da história que se tem noticia foi Don Rafaelle Espósito, de Nápoles, que conquistou a fama na cozinha do Palácio de Capodimonte, com seu rei Umberto I e a rainha Margherita de Sabóia – preparou uma pizza nas cores da bandeira da Itália – verde, branca e vermelha, em homenagem à rainha. Vem daí a pizza margherita.
Apreciada em todo o mundo, tem sua receita adaptada a cada país ou região, ganhando a sua massa base, inúmeros sabores – dos mais comuns aos mais exóticos – salgados e até doces. Chegou ao Brasil no final do século 19 para ‘conquistar’ a todos nós. Desde 1985, os paulistas comemoram no dia 10 de julho o dia da pizza.
Essa especialidade da culinária italiana de renome mundial tem também a fama, não internacional do – “vai acabar em pizza”. Isso é invenção brasileira. Surgiu em São Paulo, no ano de 1950, no clube de futebol de maioria de descendentes italianos, o Palmeiras, após uma fervorosa discussão entre os dirigentes do clube. Ao final da “partida de briga”, e, de certo, pelos interesses particulares de cada um – fizeram as pazes e foram comemorar ao redor de uma pizza no bairro onde a colônia italiana é grande – o Brás.
O fato que na ocasião teve grande repercussão é utilizado hoje em inúmeras situações. Ganha destaque quando ‘criam’ manobras para não causar desgaste ao governo, ou quando o país está na eminência de investigação por corrupção, em situações que envolvem ações de ética ou de duvidosa legalidade. Falamos angustiados, por diversas vezes, essa expressão, demonstrando que, sempre, ao final, os envolvidos – acusados e acusadores, e quem deve julgar e punir –, em grande comemoração, degustam uma “bela pizza”.
A vida de Caio Júlio César não acabou em pizza e nem por ela. Contudo, com sua morte Roma presenciou uma disputa pelo poder, que resultou na ‘queda’ da República e na ‘fundação’ do Império Romano. Precisamos da ‘queda’ da pouca vergonha dos falsos políticos e da ‘fundação’ da moralidade, civilidade, humanismo e tantas outras coisas mais necessárias. Aí sim vibraremos e bradaremos “vai acabar em pizza” num sinal de uma simples e honesta comemoração.

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Mauro Carreiro Nolasco
JULHO 2006

Eu não jogo futebol

Futebol: manifestação cultural de grande expressividade do povo brasileiro do segundo maior evento esportivo do planeta.
Brasil: quinhentos e seis anos de descobrimento; cento e oitenta e quatro anos de independência; cento e onze anos da realização de sua primeira partida de futebol; quarenta e oito anos do primeiro título, em 1958, na sexta edição da Copa do Mundo conquista a grande vitória e ergue a almejada taça Jules Rimet. Ano também de revelação daquele que seria considerado o melhor jogador de todos os tempos, o Pelé. A Copa do Mundo é nossa. Quem não se lembra da música, composta após esta conquista – “A taça do mundo é nossa. Com o brasileiro não há quem possa...”. Esse primeiro título traz agregado o feito do Brasil ter sido o primeiro a ganhar jogando fora de seu continente e ainda ser o responsável pelo maior placar de uma final de Copa. Caminha para o mundial de 1962. Favorito, conquista o bi-campeonato. Ano de revelação de Garrincha, com sua extraordinária habilidade. Então: Brasil, Uruguai e Itália – únicos detentores de títulos em copa, cada um com dois, mas, apenas Brasil e Itália possuem dois seguidos [únicos, até hoje, em vitórias consecutivas], e ambos caminham, em 1970, mais que para o tri-campeonato, caminham para a posse definitiva da Taça. A seleção brasileira desembarca no México acompanhada de noventa milhões de brasileiros. “Noventa milhões em ação. Pra frente, Brasil .... todos juntos, vamos ....” – essa música marcou e a Seleção Canarinho e consagra o Tri. Pelé brilha com seu Futebol Arte. A Taça agora é nossa.

Após 24 anos afastado de uma disputa de final, o Brasil conquista seu quarto título em 1994. Até aqui apenas Itália e Alemanha poderiam deixá-lo para trás. A Alemanha não chegou a semifinal e a Itália foi derrotada pelo Brasil, de uma forma como nunca acontecera nesse tipo de 'campeonato' – numa disputa de pênalti.

Para quem gosta de estatística futebolística, é título que só o Brasil possui. Assim como também ser o único a ganhar numa Copa disputada em dois países, a de 2002, realizada na Coréia e no Japão, ou se preferirem, no mundo asiático – primeira fora da Europa e das Américas, ou se ainda assim preferirem primeira do século 21. Somos os únicos a conquistar o grande título do grande século de conquista do homem, o admirável século 20. Em 2002, a seleção brasileira venceu a todas as sete partidas, alcançando o penta-campeonato. Ronaldo “o fenômeno” se destaca, dando a volta por cima do torneio anterior – ‘deu o troco’. Brasil, único a participar de todos os campeonatos de Copa desse esporte que carrega magia. Será que alguém nunca assistiu, pelo menos, a uma partida de futebol.
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Com a escolha de local e data para realização da primeira Copa definiu-se: o primeiro país que conquistasse por três vezes o campeonato mundial ficaria de posse definitiva da Taça Jules Rimet. O Brasil fez essa conquista em 70. Entretanto desde o Tri brasileiro, que essa condição foi modificada. A Taça agora e da federação, o direito do campeão à posse é temporário, a cada quatro anos passa às mãos do vitorioso – o novo troféu: a Taça FIFA –, criada para o campeonato de 1974. Seria o prenúncio de uma nova conquista de três campeonatos, pelos brasileiros e, conseqüentemente a posse incontestável da segunda grande premiação pelo Brasil, desejo de tantos países, que já os assustava.
Seleções européias, até hoje, só ganharam na Europa.
2006, ano de Copa... na Europa.
Nós torcemos pelo Brasil sim [pena que só de quatro em quatro anos] e hoje somos mais de 186 milhões de brasileiros, “... todos ligados na mesma emoção ...”.
E hexavez ! Como será ? .... Eu não jogo futebol !

Mauro Carreiro Nolasco
JUNHO 2006

Amizade em Contos

Texto para divulgação do I Concurso de Contos do Parthenon Centro de Arte e Cultura:

Amizade em Contos

Segundo Freud, o cientista sabe, enquanto o artista sente.
É no aspecto “sentimento” que acontecem todas as manifestações da alma que se transformam em quadros, música, livros...
Tornar visível em palavras ritmadas sofrimentos e alegrias que, retidos, seriam destrutivos, é tarefa do escritor. As visões sucessivas de efêmeros acontecimentos ou largos momentos são codificados, no aspecto cognitivo da articulação da lingüística, e gramaticalizados. Com esse poderoso instrumento – a “pena” –, o escritor transpõe barreiras, limites e obstáculos. Interfere na solidão e nos cárceres, pois é através do livro, que se atinge a perfeita e definitiva liberdade desejada por todos.
Com o objetivo de incentivar e promover a produção e publicação de textos literários, premiando os melhores contos, o Parthenon Centro de Arte e Cultura, lança o seu I Concurso de Contos, com o tema AMIZADE.
A palavra amizade, deverá constar do trabalho apresentado. A declaração de amizade não necessariamente deverá estar limitada simplesmente a uma pessoa, poderá estar associada a um animal, ao livro, à cidade ou a qualquer outra situação a que ela se aplique.
O concurso está com as inscrições abertas e qualquer pessoa interessada pode se inscrever.
Cada concorrente participa com apenas um trabalho, inédito, que ainda não tenha sido premiado em outro concurso, observando a exigência do tema.
Serão selecionados 10 participantes na categoria infanto-juvenil (até 18 anos) e 10 participantes na categoria adulto. Os 20 participantes finalistas terão seus contos publicados em livro.
As inscrições poderão ser feitas até o dia 31 de agosto de 2006, com as obras sendo entregues sob protocolo no Parthenon, ou enviadas pelos Correios (em registro com AR - Aviso de Recebimento), endereçadas a Parthenon Centro de Arte e Cultura, Rua Gal. Andrade Neves, 40 - CEP. 24.210-000, Centro, Niterói-RJ. Maiores informações pelo telefone 2722-2256 ou parthenon@parthenon.art.br.

“Amigo é coisa pra se guardar. Debaixo de sete chaves. Dentro do coração. Assim falava a canção...”

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Mauro Carreiro Nolasco
MAIO 2006

Incômodo Desabafo 2

Sempre gostei de acompanhar política, apesar de quase solitariamente. Acompanhar sem radicalismos; sem deixar interferir no dia-a-dia; sem entrar em discussões idiotas; sem fazer política, ou melhor, sem querer ser político. Penso que meu interesse fundamenta-se em meu pai. Em minha infância presenciei, na maioria das vezes sem entender, mas atento, para um dia poder compreender as conversas dele, principalmente com os irmãos. Em época de eleição, gostava pelos “santinhos” de candidatos que meu pai trazia para casa – eles viravam elementos de diversas brincadeiras de criança que eu criava – brincadeiras... No ano em que Jânio Quadros foi candidato à presidência, 1960, eu, achava curiosa a maneira como o candidato falava e também a companhia de uma vassoura – símbolo de sua campanha – para varrer a corrupção e a desordem instalada no país. Naquele ano, lembro-me claramente, pedi a minha mãe que votasse num certo candidato, pois na minha cabeça isso era possível, ela votar “para mim”, no meu primeiro candidato. Com a entrada do regime militar, em 1964, enfrentei, com minha mãe, filas enormes e por horas, para que cada um pudesse comprar um quilo de açúcar, ou uma lata de óleo de cozinhar, ou um quilo de feijão, ou uma unidade de qualquer outra coisa de subsistência básica. Com os abusos de 1968, filhos de amigos de meu pai, perseguidos, torturados, expulsos e mortos foram por mim sentidos, apesar dos poucos treze anos de idade.
Atravessei um longo período [já que estamos falando de política] de “recesso”.
Meu interesse volta então em 1976, ano em que entrei na faculdade, entretanto, nunca participei de movimentos estudantis. Começo a prestar atenção nas campanhas pela televisão; tomo minhas decisões na escolha de, em quem votar, nos cargos eletivos então permitidos. Lembro-me de ver na TV, em 1978, a revelação, voto a voto, de quem seria o novo presidente: João Figueiredo ou Euler Bentes – encenação pífia – eleição sem emoção. Em 1984, há exatos 22 anos, no dia 10 de abril, estava eu a cinqüenta metros do palanque montado aos fundos da Igreja da Candelária e de frente à enormidade da Avenida Presidente Vargas, sentado no asfalto da pista central, assistindo, vibrando, emocionado e confiante que tudo mudaria. Então Tancredo Neves é eleito o novo presidente, apesar de indireta, uma eleição com emoção. Tancredo não toma posse, morre, não ficamos sabendo como seria.
Com longa e dura caminhada o Partido dos Trabalhadores chega à presidência e, alguns dias após a posse, num pronunciamento em cadeia de televisão, o presidente exalta: “...eu sou o único que não pode errar...”. Voto de crédito ao presidente. E o partido e seus representantes entraram num enorme imbróglio. Partido, políticos e política, nada evoluiu na longa jornada à presidência e, no meio de toda 'podridão instalada', um fato demonstra suas inconsistência: a esposa de um não-político depõe na CPI; a oposição foi unânime em dizer “...ela veio preparada .... trouxe uma história pronta e decorada .... ela mentiu”, contudo, o mesmo unânime grupo de políticos defendeu veementemente que ela falou a “verdade” ao dizer que o José Dirceu sabia de tudo. O que foi verdade, o que foi mentira não é o que ora analiso e, sim, o seguinte: falou mentiras o tempo todo, entretanto quando uma dada informação surge e, interessa à oposição é considerada verdade. Inexperientes, fracos e ridículos políticos do partido dos trabalhadores – não vi nenhum deles ressaltar essa situação.
A cada dia o imbróglio é mais podre. Não agüentamos mais tanta pizza goela abaixo.
Ano de eleições: em quem votar? As promessas de campanha “são sempre as mesmas” – cínicas, mirabolantes, soluções para os problemas de forma “fácil”, e esse ano não será diferente. O partido de maior representatividade “não tem” candidato a presidência. Votar no candidato 'abafador' de CPI? Reeleição? ...por que não? ...e por que sim? Uma opção seria votar em quem nunca esteve eleito. Políticos por vocação, 'corretos', ficariam de fora. É complicado. E ainda temos que ter cuidado com os filhotes de 'maia', 'magalhães' e outros mais que seguramente querem uma continuidade. Vivemos num país onde a 'grande massa' é desinformada, conseqüentemente despolitizada e por qualquer camisa, boné, dez reais ou até mesmo uma promessa de pé-de-ouvido, propicia o continuísmo. E, por conta disso, ridículos políticos nos passam 'atestado de idiota' o tempo inteiro.
Alguém um dia já disse que “chumbo trocado não dói”. Peço licença por esse meu desabafo, e me alio ao grupo de música Titãs que, por sua arte, na letra de “Vossa Excelência”, expressa bem nossa indignação: “Estão nas mangas dos Senhores Ministros. Nas capas dos Senhores Magistrados. Nas golas dos Senhores Deputados. Nos fundilhos dos Senhores Vereadores. Nas perucas dos Senhores Senadores. ... Bandido! Corrupto! Ladrão!...”.
Quando disse acima: 'há exatos 22 anos' é que tomado por angústia preparo hoje, 10 de abril de 2006, esse meu desabafo, mas sem perder as esperanças. Só pelas urnas chegaremos ao julgamento político final. E continuo a crer, como no 10 de abril de 1984, que tudo pode mudar. O que foi plantado, se ainda não germinou, pode também não ter morrido.

Mauro Carreiro Nolasco
ABRIL 2006

A fera Matisse

O mundo vive o nascimento de um novo século. Mal começa o século 20, ‘estoura’ a I Guerra Mundial (1914-1918). Um novo momento no cenário cultural – a vanguarda.
No final do século 19, o movimento que surge nas artes plásticas é o Expressionismo, entrando pelo século 20 – o artista passa a expressar seus sentimentos e intensas emoções –, surgindo em duas correntes: a alemã e a francesa, denominando assim o expressionismo alemão – die brücke (a ponte – ±1905-1913) e der blaue reiter (o cavaleiro azul – ±1912-1914); e o expressionismo francês – fauve (fera – ±1904-1908), surgindo daí a ramificação Fauvisme (Fovismo).
O die brücke era composto por artistas mais agressivos e politizados, os que integravam o der blaue reiter voltaram-se para a espiritualidade, enquanto que o fauves pregavam a alegria de viver, inconsistente nas formas e evasivo na espiritualidade. Ambos foram de fundamental importância às manifestações artísticas que o sucederam, como o Surrealismo e a Bauhaus. Teve início no final do século 19, por artistas plásticos alemães, destacando-se em maior evidência entre 1910 e 1920 e desenvolveu-se também pela: literatura, música, cinema e teatro. No Expressionismo o que predomina são os “valores emocionais” sobre os “valores intelectuais”, portanto, não há mais a preocupação com o padrão de beleza tradicional, passam então a registrar – o pessimismo da vida – pela angústia, pelo desajuste, pela dor do artista em face da dura e verdadeira realidade das coisas, e, em várias situações enfoca problemas sociais, pela deformação e abstração da realidade. Os objetos têm sua forma representada por marcante destaque das linhas de contorno, linhas essas também simplificadas e pela utilização de cores fortes. Passam também, o que foi novo, a aplicar as teorias musicais à composição plástica. Foi a atmosfera mórbida e decadente do final do século 19, que motivou vários artistas a inovar, criando obras com cores violentas e distorções ousadas. Os tons pastel não pactuam com o novo momento. E esse grupo de artistas tiveram a “denominação” e o “reconhecimento” por ocasião do Salão de Outono de 1905. O reconhecimento, nessa primeira apresentação pública, criou um certo alvoroço sendo daí classificados pelos críticos por fauves, “as feras”, o que levou a Fovismo, denominação dada ao movimento, mas cada um com sua própria identidade. Para que seja bem entendido há que compreender o movimento de maior magnitude – o Expressionismo. O Fovismo se caracteriza, fundamentalmente, pela oposição ao decorativismo da Art Noveau e também ao Simbolismo. Entretanto o grupo não foi coeso, os artistas eram distintos na maneira de expressar e ver o mundo, similaridade apenas no que os faziam produzir – a inquietação. E dentre eles fica aqui, nesse momento, o destaque para a pintura do francês Henri-Émile-Benoît Matisse (1869-1954), líder desse movimento sem qualquer contestação. A base do fovismo está no colorido agressivo e vibrantes dos pós-impressionistas Vincent van Gogh e Paul Gauguin – com rejeição à “forma” imposta pelo academicismo tal qual a luminosidade dos impressionistas , o uso da cor é de primeira importância e usada sem limites e o resultado atingido é de quadros tão belos quanto artificiais. O movimento buscava – harmonia e equilíbrio – da composição, por cores intensas e não-naturalista. Henri Matisse, um líder nato que ensinou e encorajou outros artistas. Sua carreira, que atingira o auge em 1917, foi longa e variada, inicia-se no Impressionismo e vai até a uma aproximação do Abstracionismo. O quadro “A Dança” é um exemplo representativo e marcante da fase fauve de Matisse.

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Mauro Carreiro Nolasco
MARÇO 2006

Onde foram parar os tons pastel

A vida ficou mais 'crua' e 'dura' sem eles. Os “rosas pálidos” e “verdes água” juntaram-se ao “azul bebê” e diluíram-se em água e branco até desaparecerem, totalmente.
As casas outrora pintadas nesses tons exibem agora – laranjas, verdes e vermelhões 'ardidos' –, numa tentativa talvez de suprir a cor da paisagem natural que se foi com a devastação da natureza. Antigamente a decoração e as fachadas das casas não precisavam predominar sobre as flores e folhagens que as cercavam, pois tudo se harmonizava e se equilibrava. Nos jardins, rosas pálidas transpareciam entre muguets e miosótis, margaridas e junquilhos – paisagismo em tons pastel. A modernidade de Burle Marx e de Oscar Niemeyer trocou o tijolinho aparente e as casas com jardinzinho, por concreto e alguns tons de verde, nada pálidos, todos fortes e espinhentos. Os quartos das meninas eram rosa com rendas, babados e bonecas, hoje substituídos pelo clean e componentes hight-tech, assim como o quarto dos meninos, não são mais azuis, mas negros, com luzes mutantes e, nas paredes, ídolos agressivos e selvagens, se comparados à época pastel.
E a música? Ah! a música! Os semitons plenos de harmonia suave e cantos de amor foram trocados por gritos e sons contundentes que lembram sirenes vermelhas e amarelos agressivos.



Do Impressionismo no início do século XX ficaram os tons pastel do pintor francês Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), em suas mulheres de carnes impregnadas de rosas, azuis e esverdeados, em tons pastel, harmonizados à natureza em torno. No inverno europeu de 1881 Renoir pintou “As meninas Cahen d'Anvers”, também conhecido por “Rosa e Azul”. O quadro que demonstra ainda toda a energia de vida que procurou sempre retratar em suas obras, não foi devidamente apreciado pela família das meninas, Elizabeth e Alice, que o encomendou, permaneceu esquecido até ser adquirido pelo brasileiro Assis Chateaubriand. Tem apaixonados admiradores pelo mundo afora, e está entre nós brasileiros no acervo do Museu de Arte do Estado de São Paulo Assis Chateaubriand, mais conhecido por MASP, desde 1952. Nesse quadro Renoir contrasta ao Fovismo (ou Fauvismo – corrente artística que se situou entre 1901 e 1906 – à busca da máxima expressão pictórica) de Matisse. Os “ismos” se adequaram, no século XX, aos psiquismos e anseios do ser humano que, cada vez mais, gritava seus terrores internos, transformando-os em fortes cores cruas e agressivas. Perdemos ao longo do tempo os tons pastel da vida e da arte, substituídos pelas agressões e fragmentações impostas pela devastação da natureza por ação do homem.
Nas ilhas quentes de Bermudas, o mar é translúcido de águas mornas num intenso azul, como também o céu, e contrastam ao verde das florestas de cedro e ao cor-de-rosa das areias de suas praias. Os ônibus combinam com as cores das casas e das bermudas de seus habitantes, em suaves tons de rosa e azul. As casas no espírito britânico são coloridas – pintadas em tons pastel e todas têm o telhado branco. Não há outro lugar assim.
Que voltem os tons pastel, um dia, a enfeitar nossas vidas e povoar nossos sonhos e nossa arte!.

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Mauro Carreiro Nolasco
FEVEREIRO 2006

O caminho para a distância

O grande público brasileiro não tem, em princípio, interesse por documentário. Embora eu não seja regra nem exceção, assisti a um documentário cinematográfico numa sessão de cinema com a lotação esgotada, pois existem bons, como este “Vinicius” – poético e afetivo – que relata a obra, a vida, a família, os amigos, os amores do grande Poeta Vinicius de Moraes. A beleza não é específica do formato como se apresenta, e sim por seu próprio conteúdo. O filme “Vinicius” agradou a mim e seguramente à platéia que dividia a sessão comigo, predominantemente de jovens cuja maioria sequer havia nascido quando da despedida do poeta de todas as coisas que lhe davam prazer na vida, pois a todo instante vibravam com o desdobrar do rico e agradável roteiro onde, familiares, artistas, parceiros e amigos contam, cantam e dizem Vinicius.
Depoimentos descontraídos constroem a narrativa. Intelectuais e artistas como – Antonio Candido, Ferreira Gullar, Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo, Tônia Carrero, Toquinho, sua filha Susana de Moraes, entre tantos, enriquecem o filme e lembram, com alegria, a alegria do poeta, e dele – contam da vida, revelam a intimidade, as festas, os porres, as mulheres, os encontros, experiências de trabalho e o lado espirituoso. Susana de Moraes, que se refere o tempo todo ao pai por “Vinicius”, o conceitua um homem que não tinha qualquer apego a dinheiro, mas sim a vida e a tudo que ela, de bom, se nutre – amor, poesia, música, carinho, humanismo, amizade. E concordo quando ela diz que a postura libertária, não convencional, da vida e do trabalho, é que faz viva sua obra. Maria Bethânia contou histórias e se entregou com a leitura de poemas e disse: “Vinicius... discurso do amor”. Tônia Carrero se reporta e ele “um camarada que viveu de paixões”. Chico Buarque faz substanciosas considerações deixando o filme bem 'amarradinho' e arrebata, falando de afeto, cumplicidade, ética, gentileza – “Vinicius não caberia no mundo de hoje”. O Rio de hoje dos abandonos, desmandos, violências, ingerências, não é para Vinicius. Tocante e sincera a emoção de Edu Lobo, qual alegre a de Toquinho, o parceiro presente na sua manhã de despedida.
Eis que aparece o nosso ministro da cultura, o cantor-político Gilberto Gil, profundamente vazio. Falou e não disse nada. E me lembrei de ter lido, lá pelo meio do ano passado, que ele estivera na Bienal de Veneza e que não comparecera ao pavilhão brasileiro do mais importante evento internacional de arte do mundo. Na abertura oficial não prestigiou os artistas brasileiros que representavam e divulgavam o Brasil, mas, divulgou a si mesmo cantando para italianos. Ato do mesmo ministro da cultura que, poucos meses antes dessa bienal, criticara na imprensa a omissão do governo na Cultura: “Como é possível que uma nação tão rica e plural em manifestações e valores culturais tenha um Estado tão omisso em sua visão da cultura e das políticas culturais?”. Constatação triste que se faz desse político-cantor, representante de uma cultura que só interessa aos brasileiros – a mais ninguém – não interessa ao governo, não interessa aos partidos; não interessa nem ao ministro. Numa segunda aparição no filme continuou a nada dizer. E como não tem nada pra falar a não ser ficar enumerando adjetivos ‘descosturados’, para alegria da platéia, começa a cantar.
Vinicius, um homem que não tolerava convenções, que defendia liberdade aos sentimentos – casou-se nove vezes, e sempre, loucamente apaixonado. Vinicius nasceu em 1913, um pleno poeta do cotidiano que 'curtiu' densamente a vida e as mudanças de sua cidade por 67 anos, até sua morte em 1980.
Toda vez que vejo uma importante manifestação cultural recomendo a quem puder. É por isso que falei de um filme, melhor dizendo, de um documentário que não é somente biográfico, é, como já disse, – poético e afetivo – e da maior importância.
“O caminho para a distância”, primeiro livro de Vinicius, foi publicado em 1933. Aproprio-me do seu título e destaco os últimos versos do poema “O poeta”.



A vida do poeta tem um ritmo diferente

Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o céu

Preso, eternamente preso pelos extremos intangíveis.


Poeta Grande, preciso e rigoroso mas também moderno, escritor, diplomata, crítico de cinema, um dos fundadores da bossa nova, músico, compositor, intérprete, boêmio, amante, mulherengo, amigo, carioca, um homem de bem, ... como seu nome, ... todo no plural.

Mauro Carreiro Nolasco
JANEIRO 2006