sábado, agosto 26, 2006

O caminho para a distância

O grande público brasileiro não tem, em princípio, interesse por documentário. Embora eu não seja regra nem exceção, assisti a um documentário cinematográfico numa sessão de cinema com a lotação esgotada, pois existem bons, como este “Vinicius” – poético e afetivo – que relata a obra, a vida, a família, os amigos, os amores do grande Poeta Vinicius de Moraes. A beleza não é específica do formato como se apresenta, e sim por seu próprio conteúdo. O filme “Vinicius” agradou a mim e seguramente à platéia que dividia a sessão comigo, predominantemente de jovens cuja maioria sequer havia nascido quando da despedida do poeta de todas as coisas que lhe davam prazer na vida, pois a todo instante vibravam com o desdobrar do rico e agradável roteiro onde, familiares, artistas, parceiros e amigos contam, cantam e dizem Vinicius.
Depoimentos descontraídos constroem a narrativa. Intelectuais e artistas como – Antonio Candido, Ferreira Gullar, Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo, Tônia Carrero, Toquinho, sua filha Susana de Moraes, entre tantos, enriquecem o filme e lembram, com alegria, a alegria do poeta, e dele – contam da vida, revelam a intimidade, as festas, os porres, as mulheres, os encontros, experiências de trabalho e o lado espirituoso. Susana de Moraes, que se refere o tempo todo ao pai por “Vinicius”, o conceitua um homem que não tinha qualquer apego a dinheiro, mas sim a vida e a tudo que ela, de bom, se nutre – amor, poesia, música, carinho, humanismo, amizade. E concordo quando ela diz que a postura libertária, não convencional, da vida e do trabalho, é que faz viva sua obra. Maria Bethânia contou histórias e se entregou com a leitura de poemas e disse: “Vinicius... discurso do amor”. Tônia Carrero se reporta e ele “um camarada que viveu de paixões”. Chico Buarque faz substanciosas considerações deixando o filme bem 'amarradinho' e arrebata, falando de afeto, cumplicidade, ética, gentileza – “Vinicius não caberia no mundo de hoje”. O Rio de hoje dos abandonos, desmandos, violências, ingerências, não é para Vinicius. Tocante e sincera a emoção de Edu Lobo, qual alegre a de Toquinho, o parceiro presente na sua manhã de despedida.
Eis que aparece o nosso ministro da cultura, o cantor-político Gilberto Gil, profundamente vazio. Falou e não disse nada. E me lembrei de ter lido, lá pelo meio do ano passado, que ele estivera na Bienal de Veneza e que não comparecera ao pavilhão brasileiro do mais importante evento internacional de arte do mundo. Na abertura oficial não prestigiou os artistas brasileiros que representavam e divulgavam o Brasil, mas, divulgou a si mesmo cantando para italianos. Ato do mesmo ministro da cultura que, poucos meses antes dessa bienal, criticara na imprensa a omissão do governo na Cultura: “Como é possível que uma nação tão rica e plural em manifestações e valores culturais tenha um Estado tão omisso em sua visão da cultura e das políticas culturais?”. Constatação triste que se faz desse político-cantor, representante de uma cultura que só interessa aos brasileiros – a mais ninguém – não interessa ao governo, não interessa aos partidos; não interessa nem ao ministro. Numa segunda aparição no filme continuou a nada dizer. E como não tem nada pra falar a não ser ficar enumerando adjetivos ‘descosturados’, para alegria da platéia, começa a cantar.
Vinicius, um homem que não tolerava convenções, que defendia liberdade aos sentimentos – casou-se nove vezes, e sempre, loucamente apaixonado. Vinicius nasceu em 1913, um pleno poeta do cotidiano que 'curtiu' densamente a vida e as mudanças de sua cidade por 67 anos, até sua morte em 1980.
Toda vez que vejo uma importante manifestação cultural recomendo a quem puder. É por isso que falei de um filme, melhor dizendo, de um documentário que não é somente biográfico, é, como já disse, – poético e afetivo – e da maior importância.
“O caminho para a distância”, primeiro livro de Vinicius, foi publicado em 1933. Aproprio-me do seu título e destaco os últimos versos do poema “O poeta”.



A vida do poeta tem um ritmo diferente

Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o céu

Preso, eternamente preso pelos extremos intangíveis.


Poeta Grande, preciso e rigoroso mas também moderno, escritor, diplomata, crítico de cinema, um dos fundadores da bossa nova, músico, compositor, intérprete, boêmio, amante, mulherengo, amigo, carioca, um homem de bem, ... como seu nome, ... todo no plural.

Mauro Carreiro Nolasco
JANEIRO 2006

1 Comments:

Blogger Henrique Chaudon said...

Mauro:
No dia em que o poetinha morreu eu estava muito distante de Niterói, minha terra; eu havia tomado o caminho para a distância. Estava morando, recém casado, em uma colônia de alemães, perdida no tempo e no espaço ( não tínhamos luz elétrica, e as notícias do mundo nos chegavam através de um rádio de pilhas), criando abelhas, cuidando de uma pequena horta, pastoreando algumas galinhas caipiras e lecionando aos filhos dos colonos em uma Escola Rural Isolada( E.M. São Luís)... Lá Maíra foi concebida e morou até aos seis meses, quando retornamos a Niterói.
Vinícius foi, seguramente, meu poeta de predileção aos quinze anos. Especialmente o Vinícius até Ariana, a Mulher.
Ainda hoje, quando o releio, vêm-me ao espírito aqueles dias seminais, quando algo me dizia que eu estava irremediavelmente perdido, que jamais seria nada além de um poeta...

4:06 PM  

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