Um filé diferente
oooGrata felicidade, recebi uma mensagem de um amigo do tempo que trabalhávamos com engenharia no Rio de Janeiro. Ele me descobrira por essa coluna no jornal. Marcamos um almoço – com uma condição por ele imposta – que fosse um almoço como os inúmeros, memoráveis e inesquecíveis de que nossa turma participava, nos áureos tempos de engenheiro.
oooLevei-o a um tradicional restaurante como os que freqüentávamos, só que em Niterói. Há muito tempo eu não ia lá. Estava 'meio' diferente, não possuía mais os dois poderosos ventiladores à porta, substituídos agora pelo ar-condicionado. Cheguei a pensar que não reviveríamos aqueles saudosos almoços. Num passar rápido de olhos concluí que, nem tudo estava diferente seria um almoço de recordação.
oooDepois de sentarmos, eu falei a meu amigo: – Vou te contar uma história, muito interessante, acontecida aqui neste restaurante, que me levou a escrever um conto.
oooEra uma quarta-feira, o dia estava muito agradável, nada comum para aquela época do ano, de calor excessivo, a incomodar o dia inteiro e a noite inteira. Eu era quem não estava nada bem. Um mal-estar tão 'bravo'. Eu não podia curtir aquele belo dia. Passei, praticamente, a manhã toda sem produzir. Chegou a hora do almoço, estava com fome, mas o maldito mal-estar me deixava sem saber o que fazer. Contudo, como estava com muita fome, decidi sair para ver se, na rua, olhando restaurantes e lanchonetes, decidia o que comer, e onde comer. A dúvida incomodava, mas consegui encontrar uma solução para minha fome. Avistei o Monteiro um tradicional restaurante da cidade.
oooEste em que estamos, o mais antigo de Niterói, desde 1929. E... voltando à história.
oooComo nestas situações, de mal-estar, sei que como melhor se o 'prato' for carne, decidi o que comer – um filé... isto... um filé simples, ao ponto e aparado. Diriji-me ao restaurante, escolhi uma mesa, o garçom se aproximou e me entregou o cardápio. Na seção de carnes encontro meu filé, então surge uma questão... – comer só um filé?... – melhor com um acompanhamento! Nos acompanhamentos, encontro vários; uns que não gosto e outros que sei que no estado em que me encontrava não apreciaria. Ah! Encontrei: ovos fritos. Isso, vou pedir dois ovos fritos.
oooGarçom por favor. Vou querer um filé simples, ao ponto e aparado. E antes que completasse o pedido o garçom pergunta: – Pra acompanhar? Vou querer dois ovos fritos. – Então o senhor vai querer um filé a cavalo? Não! Eu quero um filé simples, ao ponto e aparado, acompanhado de dois ovos fritos. – Então 'chefe' um filé a cavalo. Eu já falei que não, eu não quero filé a cavalo. – E a bebida? Traga-me uma coca-cola, por favor. O garçom delicadamente pede licença e se retira recolhendo o cardápio.
oooEle trás o refrigerante, pergunta se desejo limão e gelo. Eu agradeço. Mais uma vez ele pede licença e se retira. Após uns minutos, vem o garçom com a comida. É costume da casa trazer prato principal e acompanhamento em travessas separadas, e, à mesa, 'fazer' o prato do freguês. Primeiro, ele coloca em meu prato o filé, depois, com habilidade, pega com duas colheres, os ovos. Dirigindo-os ao prato ele pára e, antes que ficasse mais embaraçado, eu lhe digo: coloque-os sobre o filé. Ele hesita, mas sem qualquer questionamento, deita os ovos sobre o filé e se retira; desta vez sem pedir licença.
oooSaboreio a comida que não só 'mata' a minha fome como melhora meu mal-estar. Chamo o garçom: Por favor, a conta. Ele deixa a conta sobre a mesa e se retira. Eu o chamo outra vez e digo: – A conta está errada. Após uma consulta ele fala: – Está certo 'chefe', um filé a cavalo e um refrigerante. Não venha você outra vez com este 'filé a cavalo', eu sempre deixei claro que queria – um filé simples, ao ponto e aparado acompanhado de dois ovos fritos. E ele ainda insiste, com certo cuidado questiona: – Não é a mesma coisa 'chefe'? Pego o cardápio e começo a mostrar: – um filé simples custa R$8,00, os dois ovos fritos R$2,00, o que totaliza R$10,00 e não os R$12,50 do filé a cavalo. O garçom, boquiaberto diz: – Nunca ninguém viu isso! e levou a conta para trocar.
oooEu só descobri porque estava num grande mal-estar e, 'desorientadamente' procurando o que comer, acabei por encontrar essa falha no cardápio. Dias depois, voltando ao restaurante, recordei-me deste fato e encontrei a diferença corrigida – pra maior é claro!
oooA propósito, sabes de onde vem o termo “bife a cavalo”... vou também lhe contar. A publicação britânica especializada no assunto The Oxford Companion to Food relata que a palavra “bife” é anglo-normanda, no inglês, beefsteak. Para nós brasileiros esse prato de nossa culinária é apreciado em todo o país. A origem está em Estremadura, região ao centro-leste de Portugal. É deste local que vem dois pratos muito saboreados por nós: o “bife com ovos a cavalo” e o “bife de cebola”, que para nós virou – “bife a cavalo” e “bife acebolado”. Alguns podem achar que o brasileiro foi infeliz ao abreviar, pois “bife com ovo a cavalo” (significa dizer: ovo 'montado' sobre o bife) simboliza melhor que “bife a cavalo” – que pode ser entendido como um bife que se comporta como um cavalo a conduzir 'em montaria' o ovo. Se o bife é inglês e o bife acompanhado de ovo é português, só interessa a ingleses e portugueses. Mas o “bife a cavalo” ou “bife à cavalo”, com crase, exatamente como encontramos nos cardápios de diversos restaurantes, é nosso!
oooChamei o garçom para fazer nosso pedido: queremos, cada um de nós – um filé simples, ao ponto, aparado, e acompanhado de dois ovos fritos. E imediatamente o garçom disse – dois filés a cavalo? ... Hesitei e então respondi: está bem, faça o melhor.
oooFoi por conta de um dos meus artigos que revi um grande amigo. Almoçamos e resgatamos lembranças e recordações. E faço desse momento, que não posso deixar de registrar, argumento dessa minha matéria a qual também dou o nome que dei ao conto – Um filé diferente.
Visite uma galeria... Visite um museu.
Mauro Carreiro Nolasco
FEVEREIRO 2007
oooLevei-o a um tradicional restaurante como os que freqüentávamos, só que em Niterói. Há muito tempo eu não ia lá. Estava 'meio' diferente, não possuía mais os dois poderosos ventiladores à porta, substituídos agora pelo ar-condicionado. Cheguei a pensar que não reviveríamos aqueles saudosos almoços. Num passar rápido de olhos concluí que, nem tudo estava diferente seria um almoço de recordação.
oooDepois de sentarmos, eu falei a meu amigo: – Vou te contar uma história, muito interessante, acontecida aqui neste restaurante, que me levou a escrever um conto.
oooEra uma quarta-feira, o dia estava muito agradável, nada comum para aquela época do ano, de calor excessivo, a incomodar o dia inteiro e a noite inteira. Eu era quem não estava nada bem. Um mal-estar tão 'bravo'. Eu não podia curtir aquele belo dia. Passei, praticamente, a manhã toda sem produzir. Chegou a hora do almoço, estava com fome, mas o maldito mal-estar me deixava sem saber o que fazer. Contudo, como estava com muita fome, decidi sair para ver se, na rua, olhando restaurantes e lanchonetes, decidia o que comer, e onde comer. A dúvida incomodava, mas consegui encontrar uma solução para minha fome. Avistei o Monteiro um tradicional restaurante da cidade.
oooEste em que estamos, o mais antigo de Niterói, desde 1929. E... voltando à história.
oooComo nestas situações, de mal-estar, sei que como melhor se o 'prato' for carne, decidi o que comer – um filé... isto... um filé simples, ao ponto e aparado. Diriji-me ao restaurante, escolhi uma mesa, o garçom se aproximou e me entregou o cardápio. Na seção de carnes encontro meu filé, então surge uma questão... – comer só um filé?... – melhor com um acompanhamento! Nos acompanhamentos, encontro vários; uns que não gosto e outros que sei que no estado em que me encontrava não apreciaria. Ah! Encontrei: ovos fritos. Isso, vou pedir dois ovos fritos.
oooGarçom por favor. Vou querer um filé simples, ao ponto e aparado. E antes que completasse o pedido o garçom pergunta: – Pra acompanhar? Vou querer dois ovos fritos. – Então o senhor vai querer um filé a cavalo? Não! Eu quero um filé simples, ao ponto e aparado, acompanhado de dois ovos fritos. – Então 'chefe' um filé a cavalo. Eu já falei que não, eu não quero filé a cavalo. – E a bebida? Traga-me uma coca-cola, por favor. O garçom delicadamente pede licença e se retira recolhendo o cardápio.
oooEle trás o refrigerante, pergunta se desejo limão e gelo. Eu agradeço. Mais uma vez ele pede licença e se retira. Após uns minutos, vem o garçom com a comida. É costume da casa trazer prato principal e acompanhamento em travessas separadas, e, à mesa, 'fazer' o prato do freguês. Primeiro, ele coloca em meu prato o filé, depois, com habilidade, pega com duas colheres, os ovos. Dirigindo-os ao prato ele pára e, antes que ficasse mais embaraçado, eu lhe digo: coloque-os sobre o filé. Ele hesita, mas sem qualquer questionamento, deita os ovos sobre o filé e se retira; desta vez sem pedir licença.
oooSaboreio a comida que não só 'mata' a minha fome como melhora meu mal-estar. Chamo o garçom: Por favor, a conta. Ele deixa a conta sobre a mesa e se retira. Eu o chamo outra vez e digo: – A conta está errada. Após uma consulta ele fala: – Está certo 'chefe', um filé a cavalo e um refrigerante. Não venha você outra vez com este 'filé a cavalo', eu sempre deixei claro que queria – um filé simples, ao ponto e aparado acompanhado de dois ovos fritos. E ele ainda insiste, com certo cuidado questiona: – Não é a mesma coisa 'chefe'? Pego o cardápio e começo a mostrar: – um filé simples custa R$8,00, os dois ovos fritos R$2,00, o que totaliza R$10,00 e não os R$12,50 do filé a cavalo. O garçom, boquiaberto diz: – Nunca ninguém viu isso! e levou a conta para trocar.
oooEu só descobri porque estava num grande mal-estar e, 'desorientadamente' procurando o que comer, acabei por encontrar essa falha no cardápio. Dias depois, voltando ao restaurante, recordei-me deste fato e encontrei a diferença corrigida – pra maior é claro!
oooA propósito, sabes de onde vem o termo “bife a cavalo”... vou também lhe contar. A publicação britânica especializada no assunto The Oxford Companion to Food relata que a palavra “bife” é anglo-normanda, no inglês, beefsteak. Para nós brasileiros esse prato de nossa culinária é apreciado em todo o país. A origem está em Estremadura, região ao centro-leste de Portugal. É deste local que vem dois pratos muito saboreados por nós: o “bife com ovos a cavalo” e o “bife de cebola”, que para nós virou – “bife a cavalo” e “bife acebolado”. Alguns podem achar que o brasileiro foi infeliz ao abreviar, pois “bife com ovo a cavalo” (significa dizer: ovo 'montado' sobre o bife) simboliza melhor que “bife a cavalo” – que pode ser entendido como um bife que se comporta como um cavalo a conduzir 'em montaria' o ovo. Se o bife é inglês e o bife acompanhado de ovo é português, só interessa a ingleses e portugueses. Mas o “bife a cavalo” ou “bife à cavalo”, com crase, exatamente como encontramos nos cardápios de diversos restaurantes, é nosso!
oooChamei o garçom para fazer nosso pedido: queremos, cada um de nós – um filé simples, ao ponto, aparado, e acompanhado de dois ovos fritos. E imediatamente o garçom disse – dois filés a cavalo? ... Hesitei e então respondi: está bem, faça o melhor.
oooFoi por conta de um dos meus artigos que revi um grande amigo. Almoçamos e resgatamos lembranças e recordações. E faço desse momento, que não posso deixar de registrar, argumento dessa minha matéria a qual também dou o nome que dei ao conto – Um filé diferente.
Visite uma galeria... Visite um museu.
Mauro Carreiro Nolasco
FEVEREIRO 2007
1 Comments:
GOSTEI MAIS DESTA PASSAGEM DE SUA VIDA !
MUITO INTERESSANTE !
BJS NAS NDGS
LUIZ
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