terça-feira, janeiro 16, 2007

Disponha de um tempo e leia

oooHá alguns dias, encontrei um ex-colega de trabalho na rua. Trocados cumprimentos, ele me perguntou: – Como vão as coisas. Respondi: – Como diz a música do Cazuza “Eu vou sobrevivendo sem um arranhão”. Ele então completou com a frase – título – da mesma música: – ...só que “O tempo não pára”. Um breve encontro. Depois, eu fiquei a questionar o 'tempo'.
oooAcho que não tenho tempo para listar os significados para essa palavra: duração, ciclo, era, fase, e, até mesmo sinônimo para 'passado'. Esse exame é grande, “demanda tempo”, ou seja, é preciso “dispor de tempo” para uma investigação mais profunda.
oooComo, “há algum tempo” ou “há quanto tempo!”, não tenho “tempo livre” ou “tempo a perder”, mesmo fazendo “gestão do tempo” que tenho, ou que “poupe meu tempo”, é difícil, verdadeiramente, “ganhar tempo”. Daí estar sempre às voltas com “falta de tempo”, em busca de “um novo tempo” ou de um “segundo tempo”. Alguém me ensina como se faz “previsão do tempo”, falam até de “distribuir o tempo”! – eu conheço 'distribuir as coisas a fazer' pelo “tempo real”, às vezes “irreal” e não posso “perder tempo”.
oooSem esquecer aquela máxima que “tempo é dinheiro” e ainda “o tempo não é propício”, “seu tempo terminou”, “nunca em tempo algum”, “ao mesmo tempo”, “em pouco tempo”, “em quanto tempo”, “a um 'tempão' que não te vejo”, “me dá um 'tempinho'”, “tem muito tempo”, “que tempo é esse de que nunca ouvi falar”, “tempo de vacas gordas”, “tempo de vacas magras”, “tempo bom” e “mau tempo”, “Tarzan no tempo da seca”, “marcas do tempo”, “sinal dos tempos” ou “final dos tempos”, “o nosso tempo”, “passou o tempo” ou “está fora do tempo”, “numa fração de tempo”, “um lapso de tempo” e outros mais.
ooo“Em tempo” e 'cercado' de “contratempos”, estou “sem tempo” pra ler “O tempo e o vento”. Acho que estamos precisando de uma “máquina do tempo”. Não posso deixar de falar que apesar de estarmos sempre a nos queixar da “falta de tempo”, estamos sempre a dizer: “você tem um tempo pra mim?”.
oooQual é o tempo que precisamos? A “luta” pela vida, o fazer diário, consomem nosso pouco, ou melhor, pouquíssimo tempo de existência. Não se deve desperdiçar esse precioso 'bem' com futilidades ou besteiras. Cabe aqui aquele lugar comum: pessoas inteligentes discutem idéias, pessoas medianas discutem fatos, já as medíocres discutem fofocas. Não ficar a “matar o tempo”, descobrir tarde demais que não é preciosismo: é preciosíssimo.
oooBem verdade que apesar do 'tumultuado' cotidiano há sempre um 'tempinho': para o lazer; para rever toda a família no cemitério porque algum parente 'partiu'; para ficar doente, cruzes! Difícil mesmo é “arrumar tempo” para meditar e discutir a vida – coisas tão simples. Mais verdade ainda é que para que possamos reservar “um tempo” para essas experiências, não podemos “perder tempo”.
oooOlhando um pouquinho atrás, na inocência de nossas infâncias, lembraremos que “o tempo passava mais devagar” – as férias escolares nunca chegavam, tais quais as datas em que ganhávamos presentes. Na adolescência achávamos que “tínhamos todo tempo do mundo”, mas, quanto tempo tem o mundo? Mais tarde descobrimos que “nem pra tudo temos todo o tempo do mundo”. Hoje, na idade adulta, com a conquista alcançada pela vivência e maturidade, estamos sempre a reclamar que não dá pra fazer todas as coisas de que necessitamos, porque o “tempo passa muito rápido” quando somos nós que passamos por Ele. O que importa é que devemos viver cada momento como se fosse o último. Muitos de nós atravessamos – o tempo da nossa vida – sem indagar da existência, passamos pela vida, simplesmente, sem saber por quê ou para quê. Será que o tempo começa ao nascermos e acaba ao morrermos? “Tempo de vida” e “tempo esgotado”. “Tempo histórico”: distinção entre passado, presente e futuro. Implacável “passagem do tempo”.
oooEm 1986, dez anos antes da morte de Renato Russo, que nasceu em 1960. Seu grupo de música Legião Urbana lançou o segundo álbum chamado “Dois”. Em uma das faixas “Tempo perdido”, com letra e música desse jovem autor, apresenta: Todos os dias quando acordo, / Não tenho mais o tempo que passou / Mas tenho muito tempo: / Temos todo o tempo do mundo. // Todos os dias antes de dormir, / Lembro e esqueço como foi o dia: / "Sempre em frente, / Não temos tempo a perder". /... / Temos nosso próprio tempo. /... / Nem foi tempo perdido; / Somos tão jovens ...
oooE, nesse mundo atual e corrido em que vivemos, lembrei-me agora de três coisas: a primeira, que “sou do tempo” que se pagava, ao banco, juros pela utilização do cheque especial, apenas – duas vezes por ano e que quase não doía – “tempos dourados”; a segunda, que meu tempo para entregar meu artigo ao jornal está acabando – “o tempo urge”; a terceira é que não vou “dar um tempo” aos que merecem o “meu precioso tempo”.
oooSobrevivendo sem um arranhão não é simplesmente sobreviver é Viver.
oooNão "sobrou tempo” para a obra-prima “Em busca do tempo perdido”, mas vou “caçar um tempo” para, oportunamente, falar dela e de seu autor, o francês Marcel Proust.

“O tempo é a insônia da eternidade”
Mario Quintana

oooVisite uma galeria... Visite um museu
Mauro Carreiro Nolasco
NOVEMBRO 2006