quarta-feira, setembro 19, 2007

Maria Domícia

oooLamentei a morte de uma mulher que sequer conheci, mas que me despertou curiosidade, pelas histórias contadas por um amigo a seu respeito. Por uma dessas que só o destino pode 'aprontar', fui eu a dar a noticia de seu falecimento a esse amigo – João Carlos de Figueiredo. Ele, sempre de olhar atento às coisas de São Gonçalo, da arte e da cultura, declara – não li nenhuma nota nos jornais de Niterói e de São Gonçalo.
oooJoão Carlos, admirador de Maria Domícia dos Santos e de sua voz, lembra-se das apresentações, nas missas do Externato Santa Terezinha do Menino Jesus, sempre repletas de pessoas, e nos casamentos na Igreja Matriz de São Gonçalo.
oooA formação de Domicia teve início na Escola Nacional de Música, que passou a se chamar Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 1965, e culminou em Niterói, com a professora Maria Elizabeth Esberad.
oooApós alguns segundos de saudosas lembranças João Carlos me diz: – Voz é um dom e uma dádiva, e, aparecem de vez em quando excelentes, mas o seu apuro, desenvolvimento, conhecimento da arte que tem pela frente, dependem da interação aluno-professor. Senão pode-se chegar a resultados desastrosos: vozes belíssimas são desperdiçadas e mal conduzidas, não chegando a lugar nenhum e perdendo toda sua espontaneidade com os absurdos, como – coloca a voz aqui, respira aqui, até chegar a lugar nenhum, perdendo a naturalidade de sua emissão, respiração etc..
oooA voz privilegiada de Domícia tinha tudo para torná-la uma destacada cantora lírica – opinião de algumas pessoas que a conheceram e que assim atestam. Sua voz era capaz de 'percorrer' do soprano ao contralto – era uma Mezzo-soprano virtuosa. Cantora lírica sem nada a dever à francesa Lily Pons (1898-1976), Soprano leggero – o timbre feminino mais leve dos sopranos; ou à norte-americana Maran Anderson (1897-1993), também da raça negra, como Domícia, Contralto – o timbre feminino mais pesado, robusto e vigoroso; ou da mais conhecida entre os brasileiros não iniciados na música lírica, a também norte-americana, Maria Callas (1923-1977) – uma das mais importantes Soprano, com sua voz poderosa pela beleza do timbre, de amplitude incomum, e que, pelo perfeito domínio das técnicas do canto, percorria desde o mezzo-soprano até o soprano coloratura.
oooEm minha curiosidade, “catuco” a memória de João Carlos por mais histórias, que me conta: – Ouvir Domícia era guardar a marca de uma grande voz. Tive oportunidade de ouvi-la, em muitos dos seus melhores momentos. E a lembrança me vem da casa do amigo Arísio, quando nos reuníamos para ouvir música e, Domícia ali desfilava árias, canções populares internacionais e até imitava Louis Armstrong...
oooE ele conta mais sobre o recital de Domícia pela criação da Associação Artística de São Gonçalo, num galpão do Colégio São Gonçalo; a interpretação em Esperanto; a participação na “Barca da Cultura”, organizada por Paschoal Carlos Magno. E ainda recorda ter levado uma gravação caseira, feita por ele próprio, ao Flávio Cavalcanti, que após ouvir comenta: – Yma Sumac, cantando em português... como é possível – e reage sem entender como essa cantora peruana poderia interpretar tão bem “Pergunte aos Canaviais” de Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba. Esclarecida a 'brincadeira', Flávio Cavalcanti quer conhecer Maria Domícia, o que acontece alguns dias depois, em seu apartamento. E ela canta ao vivo para ele que, após ouvir atentamente comenta: – Há uma razão para essa voz, pois seu nome carrega o som de três notas – o do o mi e o si – Do-mi-ci-a.
oooA carreira de um artista aqui no Brasil nunca foi fácil e ainda mais para uma negra no canto lírico. No caso de Maria Domícia, apesar de não seguir uma carreira de brilho, para a qual valor não lhe faltava, conseguiu unanimidade de conceito. João Carlos diz: – ela é, para São Gonçalo um vulto que merece ser cultuado e reverenciado.
oooA Academia Gonçalense de Letras e Artes já a integrou no quadro de membros acadêmicos, mas homenagens lhe faltam ainda, pois sempre permaneceu com suas raízes e com sua arte.
oooApós essa conversa com o amigo João Carlos, acho que descobri o porquê de meu interesse por essa mulher: é que na minha infância, em minha casa, não perdíamos o Programa Flávio Cavalcanti – minha memória não me traz a lembrança dela mas o registro é que, segundo os estudiosos, não se perde.
oooMaria Callas disse uma vez – "Se você ama a música, a ponto de servi-la humildemente, o sucesso acontecerá automaticamente.”. Pena que não ocorreu aqui com a nossa Maria – Maria Domícia.

oooVisite uma galeria... Visite um museu.

Mauro Carreiro Nolasco
MAIO 2007

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ilustre artista, sáúde e paz.
Revirando a internet encomtro a notícia sobre a morte de minha grande amiga Maria Domícia. Fizemos algumas apresentações juntos, enquanto eu dizia poesias ela, cantava as Bachianas.Éramos grandes amigos,o que você diz de sua voz maviosa é pura verdade. A melhor interpretação de Melodia Sentimental de Villa Lobos, creia foi dela.Éra de fazer qualquer um chorar.Conheci, também o Arízio, estudamos o científico juntos.
Fui presidente da Academia Gonçalense de Letras e Artes durante doze anos.Lá homenageamos várias vezes a Domicia que ao final das homenagens cantava para nos alegrar. Hoje, moro em Natal, RN, na beira de uma praia semi-deserta.E toda a minha riqueza são estas lembranças. Deixo o meu e-mail, parabenizando-o pela justa lembrança de Maria Domicia.
abraços do Everaldo Botelho Bezerra. (everbotelho@.interjato.com.br

10:50 AM  
Anonymous Anônimo said...

Fiquei sabendo do desencarne da Prof. Domícia através da comunidade do Colégio Santa Terezinha, onde estudei na década de 60, e eles me indicaram este blog. Fiquei chocada por não ter lido nada a respeito. Prof. Domícia me faz lembrar a minha infãncia e depois a minha adolescência,e sinto muita saudade . No Colégio Santa Terezinha tinha um coral para cantar na igreja aos domingos, e eu,que sempre sonhei em participar, mas nunca tive vocação, por várias vezes me infiltrava no grupo, bem lá no fundo, e tentava, e Prof.Domícia,com o seu ouvido apurado, sempre me descobria e me tirava, e dizia, não dá, vc desafina demais, eu ria, e tentava novamente,mas nunca consegui. Prof. Domícia, o bom é a certeza que a morte não existe, e quem sabe aonde nos encontrarmos eu conseguirei cantar. Adorei encontrar este blog. Um abraço.

11:18 AM  
Anonymous Rosane said...

Maria Domicia foi minha professora de canto lírico na década de 80. Morava num edifício em frente ao Valonguinho, na UFF. Lembro-me de ficar encantada com seu vozeirão. Ela, para mim, seria a versão feminina do Milton Nascimento! As aulas terminaram pq ela sairia numa turnê , se não me engano num navio. Hj resolvi procurar alguma pista do seu paradeiro e acabei chegando nesse artigo. Grata surpresa! Obrigada.

6:17 PM  

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